Gênesis
Era noite de natal e as famílias sempre zelam pelo compromisso de se reunirem nessas datas. Aquela algazarra toda. Parentes que se adoram e se abraçam numa demonstração de puro afeto; outros, apenas por cordialidade se cumprimentam.
Criança de roupa de cor amarela. Um conjuntinho um tanto cafona, com babados na altura do pescoço. Cheiro de empadão na cozinha. Peru na mesa e apito derretido no cú inchado da ave.
Ânsia curiosa infantil pelos presentes embrulhados no papel de cor vermelha. Será que os pais seriam mais generosos aquele ano? Corresponderiam à expectativa?
Ainda que fossem uma família sem lastro, respeitavam o horário indigesto de meia-noite para a ceia. Depois, era iniciada a entrega dos presentes.
E aos poucos, a sala ia ficando vazia, assim como a mesa. Alguns passavam pelo corredor com uma expressão estranha no rosto e uma tapaware nas mãos.
De volta à casa. Colchão fino no assoalho de mogno vermelho. Porta aberta à ventilação obrigatória em época de chuva.
Barulhos repetitivos e insistentes eram um empecilho ao sono leve de menina assustada.
Curiosidade latente. Levantar ou não?
Preguiça naquele corpo pequeno envolto pelo pijama flanelado e macio. Posto o corpo erguido, seguiu com exatidão o som que se propagava sem pedir licença naquela noite.
Olhou no escuro e não viu nada.
Até que, num golpe certeiro, alcançou o interruptor elétrico e a claridade trouxe aos seus olhos a imagem da mãe nua montada no pai também sem roupa. Corpos agarrados e olhos velados em movimentos de ida e vinda.
Galopes interrompidos pela constatação do semblante de espanto da garotinha que foi rápida e desligou a luz.
Retornou, então, ao quarto em frente. Pensou: é este o princípio do mundo? Depois, enfiou os dedos pelo pijama e começou a se bulinar excitada.
Pseudônimo a ser definido
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