29.12.07

Renovação

(Por Crotalo, o poeta anônimo da Escola Girassol)

Embaraçosa desculpa
Depois me chega com assanho.

Veste a camisola
Que estou sem fome.

O pesadelo que tive
Foi acordado mesmo:
A ambulância chegou
Junto com a polícia.

Acabou meu remédio.

Vou sair à porta
E não volto mais.

O jornal levará notícia
Aos desavisados.

Meus olhos agitados
Afogados em sangue
Exalando maldição
Explicam o dever cumprido.

Aos poucos,
Meus nervos dilacerados
Descansam numa pluma onírica.

O telefone adormece;
As luzes pulsam nas cortinas;
O tapete lembra o soalho de açougue.

A vela, em sentinela
Espia a transubstanciação.

O desamor fede a
Adeus, menina
Da paixão que carrego
Num recorte de retrato
Atirado na lixeira.

(_crotalo_)

5.12.07

Mad World

(Tears for Fears)

All around me are familiar faces
Worn out places, worn out faces
Bright and early for their daily races
Going nowhere, going nowhere
Their tears are filling up their glasses
No expression, no expression
Hide my head I want to drown my sorrow
No tomorrow, no tomorrow
And I find it kind of funny
I find it kind of sad
The dreams in which I'm dying
Are the best I've ever had
I find it hard to tell you
I find it hard to take
When people run in circles
It's a very, very
Mad World
Mad world

Children waiting for the day they feel good
Happy Birthday, Happy Birthday
And I feel the way that every child should
Sit and listen, sit and listen
Went to school and I was very nervous
No one knew me, no one knew me
Hello teacher tell me what's my lesson
Look right through me, look right through me
And I find it kind of funny
I find it kind of sad
The dreams in which I'm dying
Are the best I've ever had
I find it hard to tell you
I find it hard to take
When people run in circles
It's a very, very
Mad World
Mad World
Enlarging your world
Mad World.

28.11.07

Vox populi vox dei


Nós, de qualquer núcleo que se apresente, declaramos solenemente que há trinta quilos de roupas imundas num recôndito do meu quarto, e que hoje, às 9:19 da noite eastern time, se constitui a primeira assembléia geral ordinária dos acionistas da cooperativa de sudorese do extremo norte de Júpiter, e haverá poesia, dança, boa comida, para que os poucos e fiéis visitantes deste cálice de sangue e lágrimas encontrem sempre um sorriso a esperá-los em meio à frieza branca dos monitores, meus monitores, nossos monitores, toda a radiação invisível que nos cerca neste exato momento eu gostaria de gritar mas me limitei ao DJ Shadow grooving na caixa de som.

(ps: uma homenagem às notas mínimas)

17.11.07




"You just can't recreate that color blue on Earth, I don't know why,"
Scott Edward Parazynski, astronauta.

9.11.07

futebolística

Sábado, Novembro 03, 2007

O imperador da Copa
DORA KRAMER

A contar pelos sinais exteriores de poder, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, é personagem importantíssimo - por que não dizer, fundamental e imprescindível - na ordem das coisas relativas à realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil em 2014.

Portanto, natural que os seres desprovidos de familiaridade com o tema (cidadãos de segunda, forçoso admitir e se conformar) estranhem o grau de submissão de tudo e de todos a este senhor.

Ricardo Teixeira, informam os jornais, briga com Pelé e deixa de fora do anúncio da Copa brasileira nosso maior símbolo mundial, substituindo-o por Romário, cuja distância de Pelé em termos de representação do esporte dispensa apresentações.

Teixeira não quer ver negócios obscuros (lavagem de dinheiro) do futebol investigados por uma comissão de inquérito no Congresso e consegue o apoio de governadores de Estado para comandar ações de retirada de assinaturas ao requerimento da CPI na Câmara e no Senado.

Mais, consegue a retirada das assinaturas em número e tempo recordes, coisa que nem o presidente da República conseguiu para evitar investigações do Parlamento.

Diz num dia que a Fifa ameaça retaliar contra o Brasil se houver CPI, no dia seguinte é desmentido pelo presidente da federação, Joseph Blatter, e ninguém fala nada. Nenhum daqueles governadores presentes à caravana holiday que foi a Zurique acompanhar o anúncio emite um som a respeito. Nem que seja para estranhar a incongruência entre a ameaça e a negativa dela.

No lugar disso, mal chegam ao Brasil e começam a atuar em conformidade com os interesses de Ricardo Teixeira, subordinando atos do Parlamento às conveniências de um dirigente. É de se perguntar: o senhor presidente da CBF pretende deles uma blindagem durante os próximos sete anos?

Tudo o que acontecer no Brasil relativo à Copa e ao futebol, à organização do campeonato, à fiscalização de gastos, dever ser submisso às vontades e necessidades de Ricardo Teixeira? O lobby dos governadores para a realização de jogos em seus Estados os obriga a se abster de senso crítico? E o País, ficará submetido às mesmas normas?

Os primeiros acordes da sinfonia - que do ponto de vista político começou desafinada - indicam que sim. A petulante patriotada do senhor Teixeira, dando-se a arroubos de indignação com uma jornalista canadense que pôs na coletiva o óbvio tema da violência, não causou desconforto na comitiva de excelências. Ao contrário. Quem não calou, aplaudiu.

Mas, vai ver as coisas são para ser assim mesmo e quem não priva da intimidade das circunstâncias futebolísticas estranha de bobo que é.

Vai ver tudo aconteceu da mesma forma em outros países-sede da Copa. O presidente local do equivalente à CBF comandou governadores, interferiu em ações do Congresso, subtraiu do país a representação de um ídolo por conta de suas idiossincrasias, carregou uma comitiva imensa para afirmar prestígio, deu vexame em cerimônia transmitida ao planeta e todo mundo achou muito normal.

Pode ser só uma impressão, mas, pela largada da carruagem daqui até 2014 quem manda no Brasil é o imperador da Copa, Ricardo Teixeira I, coroado em Zurique, rodeado de sua corte: os nossos governadores.

Ou, então, não é nada disso. É só coisa de gente que não entende nada e fica achando que futebol é uma coisa, política outra e casos de polícia devem ser investigados. Esteja a Pátria de chuteiras ou não.

22.10.07

PKK TOOK MY BABY AWAY

Foto de guerrilheira curda em ossuário no Norte do Iraque. Matéria do jornal britânico Telegraph cita entrevista com um comandante do movimento nacionalista que revela o apoio americano e britânico para ataques contra o Irã. A Turquia prepara-se para invadir o Iraque.

Warzer Jaff para o The New York Times

3.10.07

O vencedor

Eu que nunca fui assim
Muito de ganhar,
Junto as mãos ao meu redor
Faço o melhor que sou capaz
Só pra viver em paz.

Marcelo Camelo

25.9.07

The book of rain

In visions of the night, like dropping rain,
Descend the many memories of pain
Before the spirit's sight: through tears and dole
Comes wisdom o'er the unwilling soul-
A boon, I wot, of all Divinity,
That holds its sacred throne in strength, above the sky!

Aeschylus, 525 B.C. – 456 B.C.

Dream

I’m in my grandparents’ old house downtown, but everything is strangely quiet. No sign of the loud buses and street vendors screaming their products under the window. The living room is light green, like it always was. When I walk into the dining room, instead of the crowded, pink affair where we used to have three meals a day, it’s a cold, gray room, with an autopsy table in the middle. Somewhere in the background, an AC unit purrs ominously. In the autopsy table, there are bones, pieces of flesh, entire organs and muscles. My former roommate enters the room, wearing a white apron and yellow gloves. He tells me, in a very nonchalant way, that I have to touch the stuff on the table.

I woke up screaming.

She turned around startled and hugged me while I stared at the other side of the bed, watching the pieces of cloth we installed in the terribly noisy AC fluttering away, propelled by the influx of cold air. I turn it off.
- What?, she asks.
- Nevermind.
She embraced me harder, holding me against her breast, rocking me back and forth like a baby. I didn’t like that and rouse from the bed, aiming to the bathroom, where I turned the light to stare at my blank face in the mirror. I could see all the pores, the rugged stub of a two days beard, small dark circles around the eyes, and some kind of emptiness hiding between my pupils. I closed my eyes. When I opened them, I was staring at my back in the mirror. I screamed.

That one really woke her up. She came to the bathroom and stopped in the door, rubbing her nose furiously like she always did when awakened suddenly.
- Maybe you should see a doctor, some kind of shrink. It’s no use for me telling you that I’m worried.
- Well, it helps, somehow. But we can’t afford it.
- Try your insurance. Now please come back to bed. I have to wake up really early tomorrow. No, in a couple of hours.

She went back to sleep and I kept on staring at my face. There was nothing behind my eyes. I was tired about these visions, but still couldn’t sleep. I lighted a cigarette and watched the sweat form in my chest, small droplets condensed from the suffocating weather combined with the overheating inside of me. After a couple of minutes, I went back to bed and managed to get something that could resemble sleep but was too feeble to be satisfying enough.
The next day, I was trying to concentrate on an especially boring article at work but kept remembering her suggestion about the shrink. To tell the truth, I kind of thought about it before, but couldn’t admit it. “As default rates rose, bonds backed by subprime mortgages got hit. That threw collateralized-debt obligations -- pooled-together debt instruments -- that held subprime-mortgage-backed bonds into turmoil. CDOs are cut into slices, known as tranches. The higher-rated tranches run into trouble only if a relatively high proportion of a CDO's assets get hit. Many CDO-valuation models showed little chance of that happening. But then that happened, too”. If this was nice, they wouldn’t be paying me to do it. But I was tired. More coffee: “Because some investors hurt by CDOs were forced to sell other assets to make good on their losses, and others began to wonder if other, similarly structured products were riskier than the models said they were, financial markets in general got rockier”. At that moment, I felt more inclined to put a bomb in the stock exchange than to write about it. Actually, that’s how I felt everyday. I could feel it growing inside me, like a tumor.

My coworker asked a redundant question. I couldn’t understand it fully because it seemed his mouth was moving slowly and at the same time blurred under the cold light of the fluorescent lamps. He was an old guy, more than twice my age, and would retire in a short while for his 401k and whatever you do after a distasteful life under fluorescent lamps, hunched on a bench like a horse ready to be fed.
- The Fed! The Fed is cutting the interest rates!, and that was it. He dropped to the floor and started foaming, holding tight his left arm with the other hand. They had to call the paramedics. Luckily, he didn’t die and they even retired him earlier. The company was being bought by another gigantic faceless conglomerate and everybody thought that was nice. They gave him half-hearted pats on the back one week after, when he came back to clean his stuff and gave us this wonderful piece of news. Now, with the interest rates down again, he could recuperate part of his life savings that the hotshots in the financial district had messed up because of a bad market hangover or simply pure greed. Greed is good, like that Gekko guy says.

The same afternoon that the old guy had the heart attack I called human resources to inquire about them paying for my mental health. No deal, they said. It was not included after the last contract negotiations with the union. But you still get an extra week of vacation!, cheerfully said the lady, some cold bureaucrat who probably was already planning the next restructuring, so it wouldn’t help my case to complain about our trashy health insurance. I was on my own. On the way home in the E train, I thought about which were our expendable expenses.

21.9.07

Sensatez

²Estávamos sentados na cama dele, completamente vestidos, quando ele abriu a gaveta da cômoda e tirou a arma pela primeira vez. O cano curto e o negro brilhoso do metal frio pousaram em minhas mãos. Alisei o aparelho mortal. Ele colocou as mãos sobre a minha, agarrou meus dedos e apontamos a arma juntos para um alvo imaginário na parede.
²O brinquedo virou constante nos nossos encontros semanais no apartamento dele, em Brotas. Eu chegava da escola cheia de módulos pré-vestibular e com o uniforme suado, ele nem deixava que eu tomasse banho. Tirava minhas roupas com carinho e me colocava na cama, pacífica, enquanto passava o cano frio pelo meu corpo.
²Com o tempo, alguns meses, os limites subiram cada vez mais. Ele começou a passar o cano da arma carregada na minha virilha, de leve e depois com mais força. Eu tirava as balas do tambor, girava a cabeça da munição ogivada, chupava o metal até que esquentasse em minha boca. Depois introduzia nele, que gritava e gemia intensamente. Ficamos dois meses nesse jogo. Quando chegou a época do vestibular, meus pais me prenderam em casa e afoguei os olhos em livros de matemática, português e história. Ele também não me ligou, mas conservei a chave do partamento dele, uma oferenda que garantia a presteza de nossas tardes lúbricas.
²Depois da primeira fase, fui até o apartamento dele. Na cama, ele seduzia uma menina ainda mais jovem do que eu, e nem tão mais velha do que ele, que tinha 21 e era sustentado pelo pai ausente e milionário. Os dois parecerem assustados); o cano da arma estava seboso de fluídos); meu rosto queimou e fiquei vermelha. Ele chegou perto de mim, me pegou pela mão, me colocou na cama ao lado da outra, limpou o cano da arma e a colocou nas minhas mãos. O ciclo completou-se. Tirei a roupa e quando a outra menina viu meios seios brancos, foi a sua vez de corar.

Jena, Louisiana

Jena Six

17.9.07

The House of the Rising Sun

There is a house in New Orleans
They call the Rising Sun.
It's been the ruin of many a poor girl,
and me, O God, for one.

If I had listened what Mamma said,
I'd 'a' been at home today.
Being so young and foolish, poor boy,
let a rambler lead me astray.

Go tell my baby sister
never do like I have done
to shun that house in New Orleans
they call the Rising Sun.

My mother she's a tailor;
she sewed my new blue jeans.
My sweetheart, he's a drunkard, Lord, Lord,
drinks down in New Orleans.

The only thing a drunkard needs
is a suitcase and a trunk.
The only time he's satisfied
is when he's out on a drunk.

Fills his glasses to the brim,
passes them around
only pleasure he gets out of life
is hoboin' from town to town.

One foot is on the platform
and the other one on the train.
I'm going back to New Orleans
to wear that ball and chain.

Going back to New Orleans,
my race is almost run.
Going back to spend the rest of my days
beneath that Rising Sun.

14.9.07

Prayer

We went in this candle store in Astor Place because she wanted to check some scented wax. I normally hate this kind of casual shopping but on that day my mood was good; it wouldn’t take more than ten minutes or so, because I was the one fielding the bill. The store was small, but had rows and rows of multicolored candles, all sizes and shapes. One of them caught my eyes. It was a big one, twenty inches long, something out of a movie prop or an oversized soccer mom wet dream. Printed outside of the white wax, it was an image of Our Lady, the Virgin Mary. And everything came back.

When I was five years old, mom used to take I and my older sister to the countryside, to our uncle’s house, during the Day of the Dead. It was a long holiday weekend and almost half of it we spent on the bus going there, through dusty back roads and dead cities with ugly houses with disheveled dry wall or bars with liquor prices crudely painted on the facades. When we actually got there, mom would phone her brother from the bus station and he would pick us up with his battered Toyota, so we would go through some more dusty ways amidst the dry vegetation and sandy soil. His house was nothing more than a hollow brick house with an old ceiling in the middle of his land, where he managed to screw up even to toughest savanna crops. During noon, the sun would shine through the holes in the ceiling. Lucky for us, it never rained around there. You couldn’t raise anything in there, not even those goats that would eat everything, rubbish or newspaper.

The house had two rooms and a large kitchen-living room with a gas stove and a TV with awful rececption. The only two books in the house were “Germinal” and the Holy Bible. Even though I already had learned to read a bit, I stuck with the illustrations from the Book of Revelations. The old guy, who wanted to be a priest in his youth but never got around to studying and praying all day (he preferred some good cane liquor and loneliness), actually had a copy of the Book with classic Albrecht Dürer illustrations, the sort that would be seen in a protestant German edition. And they were good; I spent hours checking out the four riders of the apocalypse or the dragon-headed snake, the seventh seal and such.

The real reason for those travels, I learned later on in life, was to escape my dad’s cheating and boozing ways. It was already pretty bad at that time, and she couldn’t admit it. I guess she just decided to escape to there, in the middle of nowhere, away from the shame of the neighbors peeking through the half-opened windows and seeing dad spread out on the sidewalk after some cab driver had dropped him off unconscious. By that time she had become obsessively religious, and I suspect that those travels made her even more of a devout Christian. She picked out the fact that I was reading the Book at such a young age and took it as a sign. It was a sign all right; that I was terribly bored.

So after two weeks of the heat, flies, dried meat with manioc flour or rice, the skies closed and develop a deep gray tinge. People on the village started to whisper their concerns to each other, some of the old folks even screamed out of nowhere, like flesh barometers going wild in the unnatural humidity. Some of them started to pray. The mayor of the shit hole gathered some of the more concerned people and told them that it would rain hard, but that it would be good for the crops. I wouldn’t now what sort of crops he was talking about, all I saw planted around were manioc roots and sisal hemp, the kind you made ropes from. Those things grew on nothing, on a drop of dung, peasant blood and sweat.

When became undeniable that the sky was going to fall on us, my uncle bought a bottle of liquor and some extra reserves, some brown sugar and coffee and extra bread, and told us to stay at home. Huge discharges fell from the sky and shook the ground like it was the end of it all. My mother prayed. And then a huge storm came, like the oceans where invading them barren lands and transforming the savanna into tropical lush.

The lightning came closer to the house. We had no lightning rod, no way to protect ourselves. My sisters, at that time a full blown rebellious teenager, became more and more restless. When a particularly strong bolt hit the backyard, she screamed and ran out of the house into the pouring rain. I ran after her in the new mud, but mom held me tight and pushed me back to protection. My uncle went after her.

Mom grabbed a candle from the kitchen and lighted it. Holding our hands together, she told me in a very quiet and desperate voice: “Now son, we must pray for your sister. If we fail, she will die. We must pray, and god will deliver”. I stared at her face in fascination. The candle warmed and began to melt, little drops of fervent wax going down into our hands, burning the skin and then the flesh. “We must. Hold on. The pain is a sign. Is a sign that we are true to our faith. Hold on”.

“But mom, it hurts”, I said in a whiny voice, but unable to cry or understand. She was oblivious, chanting a regular church going song with her eyes closed. Now the wax covered our hands in multiple layers, cooling down, still warm though. My uncle came back, pulling my sister by the hair. She was crying and they were both covered in mud. Mom wouldn’t let go of the candle. The pain made me cry. The next day, we left back for the city and huge brown puddles soaked everything. But the grass was greener, like some miracle had revived the scorched land.

Of those burns from the candle, only a small spot remained after twenty three years. Mom continued to pray, even more when she was committed. Now she is dead. I never prayed again and I still can’t cry.

13.9.07

sumo sentimento

Hot and cold loves, sticky hearts and ice cubes in my glass of whisky. like and overripe fruit, the juice drips from my fingers and stains your clothes, face, white and smooth back, leaving the feeling that something is not right, succeeded by a blind faith that everything is wonderful, and than back to my eternal pessimism. a fascinating, hormonal, sentimental, raw merry-go-round, where I insist on trying roughly to keep my balance, without fearing to break my head in the rough asphalt.

there's a dream I would like to have: Sunday, both of us in an isolated beach, palm trees, ocean winds, solar energy. you grab a crab and show to me, he bites my hand and there is a droplet of blood. you get sad, I suck the blood dripping from my finger, crush the crab and we laugh.

cut: (in my dreams facts run over each other like a music video) we're in a mud hut with a small bed and two plates of well seasoned beans. we eat and lay to rest, you take off your clothes and look at me all serious, sit down beside me and caress my body. I start to suck on your thumb.

a strong smell invades the hut, we start to sweat, you ask me something in whispers, the breathing accelerates, pain in the back, involuntary spams, we cum and finally I cry, a long held torrent of tears, summary of my feelings.

6.9.07

Kruger, Inc.

Em algum lugar do Queens, esfria um cuzcuz marroquino. Um bloqueio incrível! Não consigo escrever mais nada.

27.7.07

Quinta-feira

a) A bolsa caiu, o índice Dow Jones caiu, a semana acabou. O primeiro trem, por baixo do Rio Hudson. O segundo e o terceiro, nas entranhas desta cidade suja. Estações em fila, 50a. avenida, 7a. avenida, Queens Plaza, Steinway Street e saio do trem. A caminhada rápida pela rua em burburinho de fim de dia, o restaurante Basurero bombando com suas bandeiras latino-americanas e salsa duvidosa explodindo de alto-falantes ocultos. Taxistas ouvindo pop árabe passam velozmente pela rua e furam o sinal enquanto um motorista da MTA fuma um cigarro diante da loja de conveniências do indiano que bufa de calor. Chego em casa, moído, subindo pelos degraus de carpete sujo e com baratas mortas espalhadas. Deve estar uns trinta graus. O prédio de madeira absorve o calor como uma estufa. Na TV, um game show idiota: Você é mais esperto que um estudante do primário? Americanos burros respondem a perguntas do curso primário. Meu cérebro derrete.

b) Meia hora depois ela chega com uma sacola da Levi`s. Veste a calça e me mostra vitoriosa: 19,90 dólares. A cintura é alta. Essa calça te deixa gorda, digo, sem pensar muito. Ela faz muxoxo. Fiz bobagem. Me ofereço para preparar o jantar. Faço um macarrão gostoso, com vinho, azeitonas cortadinhas e manjericão. Depois da refeição ela parece mais satisfeita. Conversamos sobre trabalhos. Cacete armado, diz ela, sobre o tal emprego em que lhe pagarão 900 dólares por quinze dias suando num apertado macacão da Petrobras. As coisas estão indo bem. Ela ainda não jogou o cinzeiro na minha cabeça. Acho que posso sobreviver a esta noite.

c) Depois ela vai para a internet e fica um tempão vendo fotos. Desmancho no sofá com o ventilador virado para a minha cara. Tenho que escrever algo, lembro-me vagamente, mas não consigo pensar em nada. Meu cigarro acabou. Quer tomar uma?, pergunta. A essa altura ela está vestindo roupas sucessivamente, passando na minha frente de calcinha a caminho do quarto e de volta para a cozinha. Fico duro. Saio pra comprar a cerveja.

d) Já passou da uma da manhã. A rua está tranquila exceto por um caminhão do departamento de saneamento que passa fazendo zoada, uns poucos carros com música mexicana alta ressoando nas vitrines das lojas. Essa é a área dos mexicanos. Mas não há nenhum na rua agora, só os ratos da Starbucks e a pintura ominosa de um homem moreno na loja que aluga ternos, e que sempre me assusta. Viro a esquina com a Broadway; o pub está aberto, emanando um murmúrio de música ou canal de esportes. O vietnamita fuma um cigarro preguiçoso em meio às verduras da lojinha da próxima esquina, trocando umas palavras com um velho da cara marcada. Quando me vê me cumprimenta com um olhar cínico e entediado. Vou direto no freezer pegar duas garrafas de Corona e uma de Heineken. Um maço de cigarros. Quinze dólares. Malditos impostos.

e) Fazemos amor tirando fotos das preliminares, não como se fosse uma obrigação de casados mas como ato suave e tudo parece que vai dar certo no final pois a folga se inicia plácida, numa monotonia agradável de cerveja caseira e abafamento nova-iorquino interferindo no perfeito fluxo das coisas. Ela diz que eu virei um marido.

26.4.07

Neo-con hell

March of Death
a song by Zack de la Rocha & DJ Shadow

http://www.marchofdeath.com/

I was born with the voice of a riot, a storm
Lightening the function, the form
Far from the norm, I wont follow like cattle
I'm more like a catalyst; calm in the mix of battle
Who let the cowboy on the saddle? He don't know a missle from a gavel
Para terror troopin flippin loops of death upon innocent flesh
But I'm back in the cipher my foes and friends
With a verse and a pen, against a line I won't toe or defend
Instead I curse at the murderous men in suits of professionals who act like animals
This man child, ruthless and wild
Who gonna chain this beast back on the leash?
This Texas Furor (Führer), for sure a, compassionless con who serve a
Lethal needle to the poor. The cure for crime is murder?

On the left, left, right, left
But it's just the march of death

I read the news today, oh boy, a snap shot of a midnight ploy
Vexed and powerless, devoured my hours I'm motionless with no rest
Cause a scream now holds the sky, under another high-tech drive-by
A lie is a lie this God is an eagle or a condor for war and nothing more
Islam peace, Islam stare into my eyes brother please off our knees
To beef now we feed their disease, interlocked our hands across seas
What is a flag but a rag, a shroud out loud, outside a faceless crowd
Cause a cowering child just took her last breath, one snare in the march of death

On the left, left, right, left
But it's just the march of death

Here it comes the sound of terror from above
He flex his Texas twisted tongue
The poor lined up to kill in desert slums
For oil that boil beneath the desert sun
Now we split flame we flip this game
All the targets are taking aim
All targets are taking aim
We're the targets, they're taking aim

5.3.07

Um novo Vietnã



"Querido Deus, por favor acabe com a dor em meu braço e minha perna. Eu o peço isso em nome do Senhor"

Quase inteiramente paralisado, Roberto Reyes, de 25 anos, tenta segurar com dois dedos o cartaz com seu pedido de fé na capela do hospital militar James J. Peters, no Bronx, em Nova Iorque. Reyes integrava a Cavalaria dos EUA quando foi ferido por uma bomba enquanto dirigia seu jipe Humvee no Iraque. Enviado para o hospital Walter Reed, em Washington, antes considerado o melhor hospital militar dos EUA, Reyes sofreu queimaduras de terceiro grau quando uma enfermeira o esqueceu embaixo de um chuveiro escaldante. Mesmo paralisado, Reyes ainda está consciente. Ele adora quando sua mãe ou sua irmã aproximam o rosto de sua mão e ele pode tocá-lo com seus dedos.

Reyes é apenas um de milhares de veteranos da guerra do Iraque que enfrentaram atendimento médico precário no retorno para casa, escândalo revelado em série de reportagens do "Washington Post" e que agora vem sendo investigado por uma comissão parlamentar do Congresso americano.

O escândalo já derrubou generais de duas estrelas e outros caciques da retaguarda do Exército dos EUA, exibindo uma ferida fétida que lembra um filme B sobre a Guerra do Vietnã e suas mazelas. Durante meses de investigação, repórteres do "Post" compilaram centenas de relatos horripilantes sobre maus-tratos e condições precárias não apenas no Walter Reed, mas em dezenas de outros hospitais em todo o país: burocracia e tratamento desumano de pacientes incapacitados; quartos mofados, sujos ou com amianto, um material cancerígeno; pacientes feridos mas ordenados a formar fileira em meio a neve e temperaturas congelantes; denúncias de soldados abafadas na base da intimidação. "Muitos de nós tiveram de assinar uma declaração isentando o governo de responsabilidade e admitindo que nossos alojamentos eram abaixo do padrão", relatou ao "Post" um soldado da base Fort Irwin, na Califórnia.

Dos cerca de 184 mil veteranos do Iraque que buscaram atendimento no sistema de hospitais militares, 64 mil foram diagnosticados com possíveis sintomas de stress pós-traumático, abuso de drogas ou outras doenças mentais, segundo o último relatório da Administração de Saúde dos Veteranos dos EUA, atualmente 24,3 milhões, dos quais 1,5 milhão lutaram no Iraque e Afeganistão.

Como pode-se julgar um país militarista que trata seus veteranos de guerra como refugos sociais?

10.2.07

Profusion

Próximo caso

a) Ele: Você aí. Você não entende. Eu arranco meu coração toda a semana e despejo na sua frente. Mesmo assim a compreensão é nula. Mas eu parei de me preocupar há muito tempo. Agora vou servir suas vísceras num tijela prateada. E vai feder.

b) A mãe nunca entendeu realmente o que se passava na cabeça dele. Mas procurou ser compreensiva, até mesmo quando encontrou todas aquelas facas na cômoda. É uma fase, vai passar, ela se dizia enquanto temperava o feijão.

c) Damião: Não sei de nada não sinhô. Sim, eu trabalho aqui, mas é só limpar os jardins, cuidar da área. Toda quinta-feira. Não via nada. Só carros entrando e saindo. Esse povo não anda não. Não sinhô. O que? Sinhô tá no céu? Que é isso. É só respeito. Não sinhô, eu não conhecia o garoto bem. Só via ele assim, de longe.

d) Na redação: “Rapaz, se você não consegue fazer uma matéria simples assim, eu vou ter que mandar outro cara. E você fica fazendo o obituário!”
“Mas Roberto, é que ninguém quer falar. Sabe, a privacidade das pessoas...”
“Que privacidade moleque? Isso aqui é um jornal. Privacidade é no banheiro. O que é que eles andam ensinando na faculdade de jornalismo?”
“Ética, Roberto, ética...”
“Que ética o quê! Vai lá e traz uma matéria pra mim. Senão, vai pro obituário. Vai, vai.”

e) O legista: O corpo foi encontrado em decúbito dorsal, com lacerações no abdômen e nas costas. Boa quantidade de vísceras foi retirada. Faltam o coração, rins, fígado, estômago e intestino grosso. Provável hora da morte é meio dia. Causa mortis: esvisceração maciça.

f) Em algum lugar da nebulosa Órion: Como vocês podem ver, trata-se de um caso clássico de matricídio. Obviamente, o garoto é louco. A mãe, negligente. De acordo com os costumes terráqueos, o caso ganhará ampla divulgação e causará choque na sociedade, mas logo será suplantado por outra ainda mais horrendo. Ok? Próximo caso.

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Newsmaking

Mandaram o estagiário para um protesto matinal na Avenida Suburbana. Era o tipo de matéria que a TV não queria veicular, então não valia um repórter. Trêmulo, Maurinho empunhou o microfone em direção ao líder da horda, um senhor destentado, vestido apenas com um calção de banho. Ao redor, casas sem reboco, um rio de esgoto, lojinhas e bares de sinuca. Temperatura: 32 graus centígrados. Céu limpo.
- Quais são as reivindicações?
- Nós reinvindicamo passarela que tá muito atropelamento aqui. E iluminação que tá tendo muito estrupo.
- Quantos protestos vocês já fizeram nessa área?
- Todo mês a gente protesta mas não dá nada. Onti morreu mais um.
Enquanto isso, uns jovens mais exaltados incendeiam uns pneus velhos e jogam sobre a pista.
- Qual é a idade, nome e profissão do senhor?
- Otaviano dos Santos, 58 anos, biscateiro.
Maurinho vai entrevistar o líder da tropa de choque.
- Capitão Peçanha, qual atitude a polícia vai tomar?
- Vamos ter que agir dentro da lei para dissipar a manifestação. O fluxo do tráfego precisa continuar. Já tomamos todas as medidas operacionais para evitar mais distúrbios.
- A tropa de choque vai agir então?
- Positivo.
Os policiais formam fileiras e batem os cacetetes nos escudos, numa sinfonia brutal. Protegidos pelas fileiras, atiradores lançam bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo na multidão. Começa a correria. As crianças jogam pedras, mas são subnutridas demais para atingirem com força suficiente os policiais, protegidos pelas armaduras anti-distúrbios. Logo atrás da tropa e dos atiradores, uma brigada de incêndio apaga o fogo nos pneus e limpa a avenida. O trânsito recomeça a fluir. Maurinho volta para o carro da reportagem com o cinegrafista e o iluminador.
- Pra onde agora?, pergunta o iluminador, assumindo o volante.
O rádio começa a chiar: “Maurinho, atenção Maurinho, esqueça o protesto e vá para a 17 DP fazer uma sonora com o autor de seqüestro relâmpago, Q.A.P?”
- De novo? Todo dia prendem um cara desses, diz o cinegrafista.
- É pras madames reconhecer quem roubou elas, retruca o iluminador.
O carro aproveita a reabertura do fluxo do trânsito e segue veloz de volta para o centro da cidade, enquanto o mar reflete a luz solar com milhares de pérolas flutuantes.

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Três irmãs

As três meninas eram minhas vizinhas na rua e eu fiquei amigo da mais velha, Inês, uma morena de olhos tristes. Eu estava de olho mesmo na Sílvia, a caçula. Com uns 17 anos d tudo brotando, era uma coisa linda de ver. Fiquei amigo mesmo da família. Sempre levava alguma coisa, um bolo, uns ovos. A nossa rua era na parte boa da cidade mas sabe como é, a vida não tá fácil. Mas começou a dar muito trabalho preparar o bolo, quer dizer, convencer minha irmã a preparar o bolo. Ela queria casar e dizia que estava treinando pra ser a rainha do lar.

Com o tempo, passei a jantar lá todos os dias. Eu queria a Sílvia mas ela não me dava nenhuma atenção. Tinha aquele ar de adolescente rebelde e comia rápido, sem muito entusiasmo. O pai, um bigodudo respeitado que batia ponto na secretaria da Saúde, tomava uma garrafa de Sangue de Boi com o jantar todos os dias. E a Inês ficava me cutucando por baixo da mesa, alisando minha virilha com os pés. Acho que ninguém percebia. Exceto Adalgisa, a do meio. Ela via tudo, mas enfiava a cara de novo no prato e continuava comendo. Ela era a mais bonita mas eu nem gastava meu tempo porque ela tinha a maior pinta de freira, saia no joelho e um crucifixo gigante, de madrepérola, no pescoço.

Um dia de noite o pai não veio jantar. Comemos só eu, as meninas e a mãe delas. Quando eu estava ajudando a velha a limpar a mesa o pai chegou em casa bêbado e caiu no chão da sala, ofegando. Sílvia e a mãe correram pra lá. Resolvi que ia tentar minha chance. No meio de toda aquela comoção, eu cochichei no ouvido da Inês:
- Tou te esperando no quartinho dos fundos.
Acho que falei muito afobado porque ela parece que não ouviu, ou se ouviu, fingiu que não. Então eu repeti, um pouco mais alto, e encerrei com um “viu?” bem enfático. Dessa vez, acho que Adalgisa também ouviu.

Fui pro quartinho e abri a calça. Fiquei lá esperando. Tava tudo escuro. Na sala, a comoção diminuiu e ouvi barulho de gente sendo arrastada. Devem ter levado o velho pro quarto. Fiquei quietinho. Apagaram a luz da cozinha e a parte de trás da casa ficou no breu. Ouvi alguém chegando e fechando a porta do quartinho. Então uma boquinha muito esperta me pegou de jeito e foi subindo até o meu pescoço. Ela deu um chupão daqueles bizarros, de deixar marca roxa. Eu meti a mão pelo meio das roupas dela e fiquei alisando a calcinha. E ela abriu o vestido e deixou os seios escaparem, enquanto falava pra mim baixinho:
- Quem sempre te quis mesmo fui eu.
Era a Adalgisa.

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Vinte e quatro horas

(Os eventos narrados a seguir se passam entre as 22h01 e 23h01)

Jack Bauer pilota um helicóptero sobre o deserto da Califórnia
- Jack, você precisa parar Al-Masri. Ela tem os códigos de detonação da ogiva!
Silêncio. O helicóptero chega aos subúrbios de Los Angeles.
- Jack! É urgente! Câmbio!
- Manda o presidente parar de encher o saco. Hoje eu vou tirar o resto do dia de folga.
- Mas Jack, a ameaça terrorista!
- Que ameaça o quê. Manda aumentar o alerta de atentados pra laranja que fica tudo beleza. – Jack Bauer desliga o comunicador. Corta para Al-Masri e seus asseclas num depósito no centro de Los Angeles. Al-Masri acena positivamente com a cabeça para seu assistente, O Jordaniano.
- Alá é grande!, gritam os dois.
Volta para Jack e o helicóptero, que aproxima-se de Santa Bárbara e da residência de Janet Marauder, apresentadora da Fox News. É uma mansão deslumbrante em estilo colonial espanhol com uma piscina de quinze metros quadrados. Com perícia, Jack Bauer pousa o helicóptero no campo de golfe particular da mansão, assustando o viveiro de flamingos selvages de Sumatra. Usando um chapéu no estilo sombreiro para se proteger do Sol e com um vestido branco esvoaçante, mas de corte justo nos lugares certos, Janet vai recebê-lo.
- Oh Jack...Que bom que você veio.
Os dois trocam um beijo ardente. Inês, a empregada mexicana e imigrante ilegal, serve cerveja geladinha para os dois.
- Jack, trouxe seus óculos e o protetor solar. É melhor você se apressar. Vamos perder o show!
- Calma baby. Tudo vai dar certo. Um brinde! Acho melhor assistir à explosão daqui. Vai ser um show e tanto. Meu emprego vai ficar garantido pelo menos até 2010!
- Fala daquele jeito, fala...
Janet adota um tom lânguido e acaricia os ombros de Jack Bauer, que muda a feição para uma expressão de ira. Ele toma fôlego antes de gritar agressivamente:
- Temos que encontrar a célula antes que eles contaminem Washington com o vírus! Se eu não torturar ele, milhões vão morrer! A vida de quem vale mais? A dele ou a do presidente?
- Ohhhh....
Inês se retira, constrangida, enquanto Jack Bauer e Janet Marauder se enroscam num beijo longo e úmido. No centro de Los Angeles, eleva-se ao céu um cogumelo brilhante de fusão nuclear.

27.1.07

Sketches

1
No alto do pináculo municipal, o prefeito Celso Gardenal observa o movimento com uma luneta. A população enfurecida de uma cidade tropical queimou 365 ônibus em protesto contra o aumento das passagens. A fúria é cíclica; há oitenta anos, queimava-se bondes. De um jeito ou de outro, a passagem sempre aumenta mais que a inflação. O soviete supremo pede calma, mas os estudantes já estão fornicando nas ruas, numa cópula revolucionária que multiplicará a horda. So há uma solução – o prefeito manda dissolver gardenal na água da Embasa. Quinze dias depois, começa o carnaval.

2
De um escritório em Wall Street, Wilfred Midas observa as obras de construção da Torre da Liberdade. O movimento é lento. Ele usa um binóculo XZ-403 que custa o salário mensal de um dos operários da obra. No canteiro terroso, Ignácio López escarra no solo congelado e coça a virilha; acima dele, na casinha de metal, seu supervisor bebe café; na rua, um turista suíço compra uma camisa das torres gêmeas e um bibelô em forma de águia de um dos camelôs da Rua Trinity; um miasma de vapor e esgoto sai dos bueiros; enquanto isso, um fundo de investimento compra todas as ações da Sopas Anderson e decide fechar uma fábrica na Pensilvânia para reabri-la no México, com metade dos funcionários. As ações sobem.

3
Nhagô observa o céu estrelado de Darfur, no noroeste do Sudão. A noite está calma. Uma criança doente tosse levemente. O barulho de trezentos estômagos vazios se une ao choro dos órfãos, das viúvas, dos viúvos e das jovens violentadas, numa sinfonia cruel, enquanto que a 100 quilômetros dali uma patrulha do Exército sudanês entrega um carregamento de munição, bombas de fósforo e um pouco de ódio para milicianos nômades islâmicos. Nhagô tenta sorrir, mas seu coração dói: nasceu mais uma criança. Amanhã, serão 301 cruzando o deserto rumo à fronteira. Nhagô quer ser adotado por uma ONG européia e virar estudo de caso em Oxford. As estudantes lindas, entediadas, brancas e bem-alimentadas, atentas à sua história de sofrimento. Como contou-lhe Ngebo, que fugiu para a Grã-Bretanha e casou com uma das estudantes.

4
Wladimir observa o avião que está prestes a decolar na cabeceira da pista, com os pés fincados na passarela que cruza a Grande Avenida Heróica, perto do aeroporto, onde uma confusão de pistas em sentidos contrários “transporta as vísceras deste organismo fantástico”, pensa ele; Wladimir tem o rosto queimado pelo sol e usa sandálias de couro; carrega um pedaço de carne seca e um quinhão de farinha; protege-se dos bandoleiros com uma peixeira enferrujada; em meio ao tráfego, fecha os olhos e imagina uma floresta límpida, cuja umidade pungente emite uma energia esmeraldina de suor e seiva; insetos; ele tenta se concentrar no afeto dos insetos, mas um outdoor gigante grita para os seus olhos: “VOCÊ PRECISA DE STATUS”.

12.1.07

Gélido

- Diga que me ama.
A garota de olhos muito escuros não parava de afagar o cabelo dele. Enroscados, ofegavam.
- Você não quer me amar. Não precisa me amar - respondeu o soldado.
Ela abandonou a carícia, levantou-se e foi até a janela. Ele ficou na cama admirando seu corpo.

Do lado de fora, um festival de cores iluminava a rua inteira, escorrendo para dentro do quarto uma massa difusa de letreiros luminosos a anunciarem shows da Broadway, novos veículos utilitários, hambúrgueres de noventa centavos. Nesta modulra, as linhas dela detalhavam-se ainda mais. Um corpo jovem e sadio. O quarto de hotel custara ao soldado mais de cem dólares, era pequeno e desprovido de luxo, mas ficava no Times Square, o coração da cidade. Perto dali repousava o centro de recrutamento onde vendera sua alma para a guerra em troca de três mil e quinhentos por mês. Ela voltou-se para ele e acendeu um cigarro, lançando o maço e isqueiro com desprezo na mesinha. Os dois deslizaram até o anel. Ele levantou-se e foi até a mesinha, sem pressa, e pegou o anel. Analisou a superfície dourada com sua pedra solitária, um diamante pequeno e barato.

- Você vai embora e não vamos nos ver mais. Eu não vou esperar por você. Eu não quero ficar sabendo da sua morte e não poder te ver porque você vai estar em pedaços.

Ela desafiava a sua coragem. Ele devolveu o anel à mesinha e pegou um cigarro do maço para sentir seu aroma. Ele havia parado de fumar. Virara uma massa de músculos, o cabelo rente e a vitalidade de um touro bem alimentado. No indicador surgira um calo de lembrança de todas as horas de prática de tiro. Sempre no alvo. Enquanto isso, assustada com a sua apatia, ela começou a vestir as roupas, camada por camada, até que parecia usar uma armadura. A temperatura caíra do lado de fora. Ele trancou-se no banheiro e iniciou o banho. A água queimava a pele. Sentiu a derme avermelhando. Ouviu ela bater a porta com um estrondo.

Ao sair do banheiro o quarto estava vazio. Descobriu com satisfação que ela levara o anel. Quanto tempo demoraria para ele ser substiuído? Vestiu-se também, camada por camada do uniforme desértico. Saiu do hotel carregando a sacola de lona e caminhou até a Estação Pensilvânia. As luzes ainda brilhavam mas a rua morrera. Policiais baculejavam um negro na vitrine do Burger King. Táxias escorriam preguiçosos pela Broadway. Acima de tudo, o telão anunciava a incrível oferta do novo Chevrolet Tahoe, o único com proteção lateral e consumo de 10 quilômetros por litro. Ele parou, mesmerizado pelo anúncio. Logo ele iria estar lutando uma guerra que sustentava aquela ostentação de aço, vidro e plástico, bancos confortáveis, potência de hidrocarbonetos. Será que algum dia poderia comprar um carro como aquele?

Na porta da estação, um casal se beijava apaixonadamente. Ele sentia-se invencível. Se cortasse a mão naquele momento, o sangue congelaria na hora. Seu trem partiria em dez minutos. Talvez fossem os últimos dez minutos do resto de sua vida. Mas sua mente estava limpa, como o mecanismo lubrificado de uma arma à espreita, prestes a disparar. Enquanto isso o casal ao lado soltava pequenos gemidos de uma despedida demorada. Quando os alto-falantes anunciaram o embarque de algum trem para Boston, eles abandonaram o abraço e ela acariciou delicadamente o rosto dele.
- Eu te amo, disse ela. Beijaram-se pela última vez. O soldado virou as costas e, sem que seu trem sequer tivesse chegado, caminhou para a plataforma.

11.1.07

BBBizarro 7

8.1.07

gosto de olhar pelas janelas das salas dos colegas e ver o trecho de mata atlântica do entorno do aeroporto. seria bom se meu setor também tivesse o privilégio de uma janela dessas.

3.1.07

... and so did Bush.