30.12.06
27.12.06
Êxtase
(para Nathanael West)
1
Sobre a mesa, o mesmo copo; no bolso, o maço mortífero; na boca, a brasa atenuante, prazerosa, de câncer esfumaçado. É o início da noite.
Do lado de fora, o vento sacode os postes em um inverno que teima em não nevar. Moro num pequeno quarto no centro de Newark e do outro lado da rua posso ver o movimento dos traficantes, os faróis dos carros que páram rapidamente para buscar crack, coca, ignorantes do vento ou do frio, incansáveis. Talvez eu devesse buscar algo para mim também.
Sou um zelador, faxineiro se preferir. Limpo os escritórios de um centro empresarial em Jersey City, perto daqui, onde a especulação imobiliária criou apartamentos de um milhão de dólares sob os escombros do entulho tóxico de um passado siderúrgico cromado, uma industrialização decadente que agora destrói os rios e o solo de algum outro país, talvez a China. Costumava ser casado, mas um incidente incômodo com cartas e mentiras me jogou para cá, neste cantinho barato no meio da pior parte da cidade.
Hoje aconteceu algo extraordinário. Costumo trabalhar no turno da noite, das sete às duas da manhã, mas a enfermidade de um colega forçou-me a trocar de horário. Recebi ordens de limpar os banheiros, levar a carga de lixo da manhã ao compactador e ficar na espera para qualquer eventualidade. Na salinha da limpeza temos uma pequena TV preto e branca, eternamente sintonizada no show de Oprah.
Por volta do meio dia, recebi uma chamada. Alguém derrubou comida no oitavo andar. Juntei os equipamentos e subi até o topo. Esperava encontrar um programador gordo ou um chefe rabugento, mas no departamento indicado encontrei uma jovem pálida, juntando os pedaços de macarrão do chão de maneira incômoda.
2
A moça tinha olhos muito verdes, do tipo ligeiramente oblíquo e que parecem apontar para cima nos cantos. O cabelo loiro escorrido, um vestido empresarial amarronzado e sapatos de salto baixo. Quando me viu, levantou-se desajeitadamente e sorriu. Esbocei a mesma nulidade de sempre e me passei o rodo Hydro-VAC 2078, sugando os pedaços de capeletti rapidamente. Depois me agachei para retirar as manchas.
Levantei os olhos e dei de cara com as pernas dela, a pele muito clara, a carne pulsante e levemente corada. Levantei-me. Ela continuou parada, me olhando casualmente, o rosto de feições aquilinas, elegantemente sofisticado.
Imaginei o que ela deveria estar pensando ao me ver, um cara comum, 45 anos, olhos cinza, cabelo desaparecendo, o nariz enlarguecido de pele extra por causa da idade, olheiras, poros grandes e escancarados. Os poros dela estavam todos fechados.
A cena devia estar estranha, então ela virou o rosto e murmurou um agradecimento. Recolhi meus equipamentos e voltei para a salinha. Tentei me concentrar na TV. Oprah entrevistava uma vítima de violência familiar que havia sido queimada pelo marido. Sua pele avermelhada e em reconstituição lhe dava um aspecto de boneca partida. A imagem permanecia mas as palavras ficaram nubladas, e pouco a pouco voltei a pensar na moça.
Ao chegar em casa, no início da noite, preparei meu jantar, um pouco de papa de aveia, canela, e sentei para comer. Quando terminei a refeição e coloquei a tigela na pia, liguei a TV, mas nada aconteceu. Voltei o olhar para a pia e notei uma imagem que se formava nos flocos de aveia umedecidos, algo como um ícone, um tanto irreconhecível no início mas que se definia cada vez mais à medida em que eu me concentrava.
3
Era a imagem de Jesus, como se fosse uma lembrança de infância, do catecismo, de religião perdida. Os olhos piedosos apontavam para cima, enquanto o rosto contrito, numa expressão de sofrimento, tinha na base as mãos abertas do profeta, as palmas para cima e a oferecer redenção.
Quando a imagem tornou-se inteiramente clara, me afastei horrorizado. Um horda de baratas cascudas voara do ralo da pia e a enchera com seus corpos betuminosos, espalhando-se pelas paredes da cozinha. Pisoteei os insetos freneticamente, esfregando seu caldo vital contra o chão até que fechei os olhos. Quando os abri, tudo havia desaparecido. Apenas a TV, que antes estava silenciosa, a falar de nevascas no Colorado e o prato com os restos de aveia amorfos. E o vazio.
Pisquei muito, esperando que tudo voltasse a ser como antes. Depois tive um pensamento estranho, sobre como as coisas eram antes; esperava minha mulher chegar do trabalho, bebíamos juntos, talvez um cigarrinho e uma refeição boa, quente, como ela sabia preparar. Amaldiçoei as mentiras.
Tivera uma visão? Acho que estou enlouquecendo. Fui até a janela. O movimento continuava. Um deles, um negro de cabeça raspada, brilhante, casaco espacial ultra-acolchoado, me percebeu na janela e encarou de volta com as pálpebras semicerradas. Começou a chover. Tivera uma visão?
Não me preocupei com casacos ou capas, apenas desci até o térreo, atravessei a rua. Todos eles pararam ao notar minha aproximação. Até os carros pararam. A chuva parou. O tempo, entretanto, continuava. Comprei uma pedra e voltei para o apartamento. Mal sabia como usá-la, mas eu sabia que tinha de ver de novo. Fumei a droga e sentei na mesa da cozinha, mas tudo que eu pensava era na loira do escritório, suas pernas coradas, seus poros. Lindos poros. Minha esposa tinha poros abertos, cheios de cravos.
Não consegui chorar, mesmo sentindo um rio morto empurrando as comportas da minha contrição áspera. Enquanto isso, ao meu redor, as paredes derretiam.
Miss Lonelyhearts
1
Sobre a mesa, o mesmo copo; no bolso, o maço mortífero; na boca, a brasa atenuante, prazerosa, de câncer esfumaçado. É o início da noite.
Do lado de fora, o vento sacode os postes em um inverno que teima em não nevar. Moro num pequeno quarto no centro de Newark e do outro lado da rua posso ver o movimento dos traficantes, os faróis dos carros que páram rapidamente para buscar crack, coca, ignorantes do vento ou do frio, incansáveis. Talvez eu devesse buscar algo para mim também.
Sou um zelador, faxineiro se preferir. Limpo os escritórios de um centro empresarial em Jersey City, perto daqui, onde a especulação imobiliária criou apartamentos de um milhão de dólares sob os escombros do entulho tóxico de um passado siderúrgico cromado, uma industrialização decadente que agora destrói os rios e o solo de algum outro país, talvez a China. Costumava ser casado, mas um incidente incômodo com cartas e mentiras me jogou para cá, neste cantinho barato no meio da pior parte da cidade.
Hoje aconteceu algo extraordinário. Costumo trabalhar no turno da noite, das sete às duas da manhã, mas a enfermidade de um colega forçou-me a trocar de horário. Recebi ordens de limpar os banheiros, levar a carga de lixo da manhã ao compactador e ficar na espera para qualquer eventualidade. Na salinha da limpeza temos uma pequena TV preto e branca, eternamente sintonizada no show de Oprah.
Por volta do meio dia, recebi uma chamada. Alguém derrubou comida no oitavo andar. Juntei os equipamentos e subi até o topo. Esperava encontrar um programador gordo ou um chefe rabugento, mas no departamento indicado encontrei uma jovem pálida, juntando os pedaços de macarrão do chão de maneira incômoda.
2
A moça tinha olhos muito verdes, do tipo ligeiramente oblíquo e que parecem apontar para cima nos cantos. O cabelo loiro escorrido, um vestido empresarial amarronzado e sapatos de salto baixo. Quando me viu, levantou-se desajeitadamente e sorriu. Esbocei a mesma nulidade de sempre e me passei o rodo Hydro-VAC 2078, sugando os pedaços de capeletti rapidamente. Depois me agachei para retirar as manchas.
Levantei os olhos e dei de cara com as pernas dela, a pele muito clara, a carne pulsante e levemente corada. Levantei-me. Ela continuou parada, me olhando casualmente, o rosto de feições aquilinas, elegantemente sofisticado.
Imaginei o que ela deveria estar pensando ao me ver, um cara comum, 45 anos, olhos cinza, cabelo desaparecendo, o nariz enlarguecido de pele extra por causa da idade, olheiras, poros grandes e escancarados. Os poros dela estavam todos fechados.
A cena devia estar estranha, então ela virou o rosto e murmurou um agradecimento. Recolhi meus equipamentos e voltei para a salinha. Tentei me concentrar na TV. Oprah entrevistava uma vítima de violência familiar que havia sido queimada pelo marido. Sua pele avermelhada e em reconstituição lhe dava um aspecto de boneca partida. A imagem permanecia mas as palavras ficaram nubladas, e pouco a pouco voltei a pensar na moça.
Ao chegar em casa, no início da noite, preparei meu jantar, um pouco de papa de aveia, canela, e sentei para comer. Quando terminei a refeição e coloquei a tigela na pia, liguei a TV, mas nada aconteceu. Voltei o olhar para a pia e notei uma imagem que se formava nos flocos de aveia umedecidos, algo como um ícone, um tanto irreconhecível no início mas que se definia cada vez mais à medida em que eu me concentrava.
3
Era a imagem de Jesus, como se fosse uma lembrança de infância, do catecismo, de religião perdida. Os olhos piedosos apontavam para cima, enquanto o rosto contrito, numa expressão de sofrimento, tinha na base as mãos abertas do profeta, as palmas para cima e a oferecer redenção.
Quando a imagem tornou-se inteiramente clara, me afastei horrorizado. Um horda de baratas cascudas voara do ralo da pia e a enchera com seus corpos betuminosos, espalhando-se pelas paredes da cozinha. Pisoteei os insetos freneticamente, esfregando seu caldo vital contra o chão até que fechei os olhos. Quando os abri, tudo havia desaparecido. Apenas a TV, que antes estava silenciosa, a falar de nevascas no Colorado e o prato com os restos de aveia amorfos. E o vazio.
Pisquei muito, esperando que tudo voltasse a ser como antes. Depois tive um pensamento estranho, sobre como as coisas eram antes; esperava minha mulher chegar do trabalho, bebíamos juntos, talvez um cigarrinho e uma refeição boa, quente, como ela sabia preparar. Amaldiçoei as mentiras.
Tivera uma visão? Acho que estou enlouquecendo. Fui até a janela. O movimento continuava. Um deles, um negro de cabeça raspada, brilhante, casaco espacial ultra-acolchoado, me percebeu na janela e encarou de volta com as pálpebras semicerradas. Começou a chover. Tivera uma visão?
Não me preocupei com casacos ou capas, apenas desci até o térreo, atravessei a rua. Todos eles pararam ao notar minha aproximação. Até os carros pararam. A chuva parou. O tempo, entretanto, continuava. Comprei uma pedra e voltei para o apartamento. Mal sabia como usá-la, mas eu sabia que tinha de ver de novo. Fumei a droga e sentei na mesa da cozinha, mas tudo que eu pensava era na loira do escritório, suas pernas coradas, seus poros. Lindos poros. Minha esposa tinha poros abertos, cheios de cravos.
Não consegui chorar, mesmo sentindo um rio morto empurrando as comportas da minha contrição áspera. Enquanto isso, ao meu redor, as paredes derretiam.
Miss Lonelyhearts
18.12.06
14.12.06
Ramadi
Para Raymond Carver
As cartas chegaram juntas, no meio de contas a pagar e ofertas de cartão de crédito, como todas as coisas cotidianas do correio. A primeira era uma carta do filho dela no Iraque e a segunda, do departamento da Defesa. Abri a segunda.
“Lamentamos informar à Sra. que seu filho Jason Wurlitz faleceu em combate na Província de Al-Anbar, próximo de Ramadi...”
Respirei fundo, larguei a carta na mesa e fui até a cozinha servir um Jack Daniels puro. Depois de uns goles, comecei a pensar melhor. Ele era meu enteado. Conheci Liza há uns dois anos, quando ele já estava em treinamento num desses campos militares com nome de general heróico. Então mal o vi, exceto pelos jantares de Natal, quando ele me olhava desconfiado do meu uísque e do meu cigarro. Eu sabia que ele estranhava o fato de que sua mãe, corajosa mãe solteira que o criara em meio a dificuldades e com todo o carinho do mundo, resolveu juntar os trapos com o zelador da escola municipal. Mas eu não estava nem aí. Ele que explodisse em alguma armadilha numa estrada desértica do Oriente Médio.
Só que agora, segurando a missiva com a tenebrosa notícia, eu me sentia menos arrogante e mais preocupado. Como é que eu ia contar para ela? O moleque era seu único filho – aos 45, já não podia procriar depois de ter tirado o útero. Mas o que ela esperava? As pessoas mandam seus filhos para a guerra e pensam que será um passeio na praia. Quem me dizia isso era um português maluco que conheci quando trabalhava limpando escritórios em Jerséi City. Fumávamos uns cigarros tremelicando de frio e ele me contava essas histórias de peixe, de pescaria, de como sobreviveu a um naufrágio na costa de Moçambique se agarrando a um farol no mar, o corpo arranhado pelos mariscos até que as nuvens fugiram do céu e sobreveio a calmaria; enfim, mas ele gostava de dizer que os americanos acham que a guerra é videogame, que é fácil, e se espantam quando seus filhos voltam para casa em caixas de metal, enrolados na bandeira vermelha, azul e branca.
Enquanto eu pensava nisso, uma luz brilhou do lado de fora e ouvi o barulho do carro chegando na garagem. Escondi a carta embaixo da almofada na poltrona e sentei lá, morto de medo, o copo ainda na mão. A porta abriu e ela entrou cheia de sacolas.
- Bob! Comprei um casaco novo pra você e umas frutas, você está precisando comer mais frutas, em vez de ficar aí fumando e bebendo...o inverno está chegando, temporada da gripe, aí você fica tussindo e não me deixa dormir.
Ela estava radiante, devia ter fruído de um dia esplêndido na sorveteria, onde passava o dia servindo iogurte congelado com granola, nozes, amoras, morangos.
- Alguma carta pra mim? – perguntou e eu gelei. Havia esquecido a outra carta dele em cima da mesinha da sala. Ela captou o envelope e o abriu ávida.
- Carta de Jason! Olha só, ele diz que as coisas estão mais tranqüilas, o Natal está chegando e vamos ter um jantar especial aqui na base, com peru e molhos e purê de batata e quem sabe um pouco de vinho...na lanchonete da Halliburton só tem cerveja aguada... – deu uma risada – acho que o tenente gosta de mim, me tirou das patrulhas, estou fazendo trabalhos perto da base, tarefas humanitárias, eles dizem...
Ela continou lendo e fui diminuindo até me sentir uma formiga naquela poltrona imensa, acolchoada, um modelo padronizado “Preguiçosa” onde milhares de zés ninguéns como eu estavam sentados na mesma hora, morrendo aos poucos de doenças cardiovasculares ou coisa assim. Sequei o copo de uísque e acendi um cigarro.
Ela terminou de ler a carta e se jogou no meu colo, deu um beijo estalado no meu rosto.
- Estou feliz que Jason encontrou seu caminho. Teve uma época que eu achava que ele ia acabar virando criminoso, ahá, porque as crianças ficavam provocando ele na escola, “você não tem pai, você não tem pai”, são uns diabos maldosos. E você, tem alguma novidade?
Se o mundo parasse de rodar naquele momento eu agradeceria. A carta embaixo do assento queimava como algo incurável, uma enfermidade súbita. Como é possível se destruir a felicidade de uma pessoa?
- Eu te amo.
Ela me beijou. Depois fomos para cama. Talvez amanhã, pensei, eu conte tudo. A felicidade, mesmo que efêmera, é importante demais para se estragar. Fizemos amor como se fosse a primeira ou a última vez e dormimos na tranqüilidade, como os sobreviventes de um naufrágio quando encontram a praia salvadora. A carta sobre o filho dela me atormentava, mas repeti para mim como um mantra até perder a consciência em nossa cama confortável: talvez amanhã, talvez amanhã.
Victor Burton
As cartas chegaram juntas, no meio de contas a pagar e ofertas de cartão de crédito, como todas as coisas cotidianas do correio. A primeira era uma carta do filho dela no Iraque e a segunda, do departamento da Defesa. Abri a segunda.
“Lamentamos informar à Sra. que seu filho Jason Wurlitz faleceu em combate na Província de Al-Anbar, próximo de Ramadi...”
Respirei fundo, larguei a carta na mesa e fui até a cozinha servir um Jack Daniels puro. Depois de uns goles, comecei a pensar melhor. Ele era meu enteado. Conheci Liza há uns dois anos, quando ele já estava em treinamento num desses campos militares com nome de general heróico. Então mal o vi, exceto pelos jantares de Natal, quando ele me olhava desconfiado do meu uísque e do meu cigarro. Eu sabia que ele estranhava o fato de que sua mãe, corajosa mãe solteira que o criara em meio a dificuldades e com todo o carinho do mundo, resolveu juntar os trapos com o zelador da escola municipal. Mas eu não estava nem aí. Ele que explodisse em alguma armadilha numa estrada desértica do Oriente Médio.
Só que agora, segurando a missiva com a tenebrosa notícia, eu me sentia menos arrogante e mais preocupado. Como é que eu ia contar para ela? O moleque era seu único filho – aos 45, já não podia procriar depois de ter tirado o útero. Mas o que ela esperava? As pessoas mandam seus filhos para a guerra e pensam que será um passeio na praia. Quem me dizia isso era um português maluco que conheci quando trabalhava limpando escritórios em Jerséi City. Fumávamos uns cigarros tremelicando de frio e ele me contava essas histórias de peixe, de pescaria, de como sobreviveu a um naufrágio na costa de Moçambique se agarrando a um farol no mar, o corpo arranhado pelos mariscos até que as nuvens fugiram do céu e sobreveio a calmaria; enfim, mas ele gostava de dizer que os americanos acham que a guerra é videogame, que é fácil, e se espantam quando seus filhos voltam para casa em caixas de metal, enrolados na bandeira vermelha, azul e branca.
Enquanto eu pensava nisso, uma luz brilhou do lado de fora e ouvi o barulho do carro chegando na garagem. Escondi a carta embaixo da almofada na poltrona e sentei lá, morto de medo, o copo ainda na mão. A porta abriu e ela entrou cheia de sacolas.
- Bob! Comprei um casaco novo pra você e umas frutas, você está precisando comer mais frutas, em vez de ficar aí fumando e bebendo...o inverno está chegando, temporada da gripe, aí você fica tussindo e não me deixa dormir.
Ela estava radiante, devia ter fruído de um dia esplêndido na sorveteria, onde passava o dia servindo iogurte congelado com granola, nozes, amoras, morangos.
- Alguma carta pra mim? – perguntou e eu gelei. Havia esquecido a outra carta dele em cima da mesinha da sala. Ela captou o envelope e o abriu ávida.
- Carta de Jason! Olha só, ele diz que as coisas estão mais tranqüilas, o Natal está chegando e vamos ter um jantar especial aqui na base, com peru e molhos e purê de batata e quem sabe um pouco de vinho...na lanchonete da Halliburton só tem cerveja aguada... – deu uma risada – acho que o tenente gosta de mim, me tirou das patrulhas, estou fazendo trabalhos perto da base, tarefas humanitárias, eles dizem...
Ela continou lendo e fui diminuindo até me sentir uma formiga naquela poltrona imensa, acolchoada, um modelo padronizado “Preguiçosa” onde milhares de zés ninguéns como eu estavam sentados na mesma hora, morrendo aos poucos de doenças cardiovasculares ou coisa assim. Sequei o copo de uísque e acendi um cigarro.
Ela terminou de ler a carta e se jogou no meu colo, deu um beijo estalado no meu rosto.
- Estou feliz que Jason encontrou seu caminho. Teve uma época que eu achava que ele ia acabar virando criminoso, ahá, porque as crianças ficavam provocando ele na escola, “você não tem pai, você não tem pai”, são uns diabos maldosos. E você, tem alguma novidade?
Se o mundo parasse de rodar naquele momento eu agradeceria. A carta embaixo do assento queimava como algo incurável, uma enfermidade súbita. Como é possível se destruir a felicidade de uma pessoa?
- Eu te amo.
Ela me beijou. Depois fomos para cama. Talvez amanhã, pensei, eu conte tudo. A felicidade, mesmo que efêmera, é importante demais para se estragar. Fizemos amor como se fosse a primeira ou a última vez e dormimos na tranqüilidade, como os sobreviventes de um naufrágio quando encontram a praia salvadora. A carta sobre o filho dela me atormentava, mas repeti para mim como um mantra até perder a consciência em nossa cama confortável: talvez amanhã, talvez amanhã.
Victor Burton
12.12.06
7.12.06
28.11.06
Cole Porter
Night and Day
Like the beat beat beat of the tom-tom
When the jungle shadows fall
Like the tick tick tock of the stately clock
As it stands against the wall
Like the drip drip drip of the raindrops
When the summer shower is through
So a voice within me keeps repeating you, you, you
Night and day, you are the one
Only you beneath the moon or under the sun
Whether near to me, or far
Its no matter darling where you are
I think of you
Day and night, night and day, why is it so
That this longing for you follows wherever I go
In the roaring traffics boom
In the silence of my lonely room
I think of you
Day and night, night and day
Under the hide of me
Theres an oh such a hungry yearning burning inside of me
And this torment wont be through
Until you let me spend my life making love to you
Day and night, night and day
21.11.06
Primeiro poema automático em solo baiano
dia: ondas engolem os raios do sol,
e nada mais.
noite: céu e mar se confundem
num único negrume,
só restam as pessoas,
tentando imitá-los,
e nada mais.
(wc)
e nada mais.
noite: céu e mar se confundem
num único negrume,
só restam as pessoas,
tentando imitá-los,
e nada mais.
(wc)
20.11.06
Sketches
Nome: Apolíptico
Tema: Decadência e impedância do Império
Protagonista: Z - um cidadão do império
Cenário: Grande metrópole, the Trans-Hudson Port Authority
Sub-temas: falta de sistema de saúde, negação, acomodação, solidão, amor, impostos, capital cruel, morte, vida, sobrevivência, poluição, amor distante.
Tema: Decadência e impedância do Império
Protagonista: Z - um cidadão do império
Cenário: Grande metrópole, the Trans-Hudson Port Authority
Sub-temas: falta de sistema de saúde, negação, acomodação, solidão, amor, impostos, capital cruel, morte, vida, sobrevivência, poluição, amor distante.
3.11.06
BLUE EYES
My Way
Co-written by Paul Anka & Frank Sinatra
As performed by Frank Sinatra
Hit # 27 on the Top 40 charts in 1969
And now, the end is near, and so I face, the final curtain.
My friend, I'll say it clear,
I'll state my case, of which I'm certain.
I've lived, a life that's full, I've traveled each and every highway.
And more, much more than this,
I did it my way.
Regrets, I've had a few, but then again, too few to mention.
I did, what I had to do, and saw it through, without exemption.
I planned, each charted course, each careful step, along the byway,
and more, much more than this,
I did it my way.
Yes, there were times, I'm sure you knew,
When I bit off, more than I could chew.
But through it all, when there was doubt,
I ate it up, and spit it out.
I faced it all, and I stood tall,
and did it my way.
I've loved, I've laughed and cried,
I've had my fill; my share of losing.
And now, as tears subside, I find it all so amusing.
To think, I did all that, and may I say --- not in a shy way,
"Oh no, oh no not me,
I did it my way".
For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has naught.
To say the things, he truly feels,
And not the words, of one who kneels.
The record shows, I took the blows ---
And did it my way!
I did it my way.
14.10.06
Vida Noturna
A gripe já batia em retirada, sentia-me melhor, dois dias de superalimentação fizeram a diferença. Tranco tudo em meu quarto no hotel-cortiço, visto o casaco de couro, cruzo com um dos serial-killers de plantão na escada, enlouquecendo aos poucos nos cubículos fedorentos, ganho a rua, o vento sopra da Baía de San Francisco. Na primeira esquina, colado com uma loja de DVDs pornógraficos, encontro Reginald, um negão estrábico com aquele olhar perdido dos sem-teto.
- E aí?
- Na luta. Tem um cigarro?
Passo o maço de Marlboro Lights, meu veneno de 5 dólares.
- Vai fazer o quê hoje? – pergunto.
- Sei lá. Tomar uma sopa no Exército da Salvação. Três dólares ajudariam...
Simulo uma expressão de “desculpe, estou sem grana” e me despeço dele. Anotação mental: tomar cuidado com os sem-teto. Sempre estão em busca de algo, nada é gratuito, nem a amizade. Mais dois quarteirões, chego à esquina da Rua Folsom com a Sexta. Mais sem-teto, flanando diante dos edifícios de moradias subsidiadas.
- Você tem um cigarro? – pergunta uma negra de obesidade mórbida. – Hoje é o meu aniversário, você não tem um dólar pra me ajudar?
No começo é pitoresco, mas depois de uma semana enche o saco. Simulo outra expressão de compaixão e sigo em frente. Eu também estou desempregado.
Iludido pela noturnidade precoce da farra americana, chego cedo demais na boate que anunciava dancehall e reggae. Os organizadores me recebem na porta e indicam um bar do outro lado da rua pra tomar uma cerveja enquanto a música não começa. Clássico: balcão com luz indireta, um DJ rodando música eletrônica. Tomo uma cerveja Stela Artois, deliciosa e cara, depois de apresentar minha identidade – menores de 21 não têm vez nestas bandas.
Um casal bebe ao meu lado, conversando animadamente. Faço amizade com eles, conto minha história, faço minha jogada em busca de um pouco de companhia; aquela música do Cazuza não poderia estar mais errada: “viver é bom, nas curvas da estrada. Solidão, que nada...”.
O casal que puxei papo são irmãos. O cara, Larry, constrói cenários para uma prestigiada companhia de teatro local. Amistoso, mostra fotos dos cenários no celular. Teço elogios sinceros: “parece pedra mesmo”. Saímos para um cigarro no frio noturno, enquanto um grupo de mexicanos dá uns tapas na pantera diante de uma viatura do departamento de Polícia de San Francisco, um “cruiser”. O policial parece entediado. Larry puxa papo com os mexicanos, que vieram de Richmond, subúrbio do outro lado da baía, uma das cidades do anel de violência e pobreza anglo-saxã que cerca a pungência turística de San Francisco. A situação começa a ficar perigosa: o cruiser toca as sirenes, o famoso “peouw...”, o aviso breve e sonoro. Os mexicanos entram no bar, um por um. Me despeço do último, com a indumentária fantástica e original dos despossuídos americanos: boné de lado, roupas esportivas, calça folgadona e tênis espaciais.
- Valeu cara, tudo de bueno.... – arrisco meu espanhol macarrônico.
- Yeah man, see you... – e entra no clube. Respiro fundo. É meia-noite, auge da vida noturna. O frio treme minhas pernas. Volto para dentro. O leão de chácara, um negro claro e de fala rápida, metralha algo para uma garota menor de idade:
- Você vai me matar comissoaí gata, identidade falsa pode medarcadeia...
Acima, os edifícios de escritórios brilham com a vibração das empresas de Internet trabalhando: Google, CNET, dezenas de empresários iniciantes com os olhos vidrados de anfetaminas e programas de computador enquanto o asfalto pulsa, como se estivesse à espera do grande terremeto que um dia reduzirá tudo isto aqui a escombros fumegantes.
- E aí?
- Na luta. Tem um cigarro?
Passo o maço de Marlboro Lights, meu veneno de 5 dólares.
- Vai fazer o quê hoje? – pergunto.
- Sei lá. Tomar uma sopa no Exército da Salvação. Três dólares ajudariam...
Simulo uma expressão de “desculpe, estou sem grana” e me despeço dele. Anotação mental: tomar cuidado com os sem-teto. Sempre estão em busca de algo, nada é gratuito, nem a amizade. Mais dois quarteirões, chego à esquina da Rua Folsom com a Sexta. Mais sem-teto, flanando diante dos edifícios de moradias subsidiadas.
- Você tem um cigarro? – pergunta uma negra de obesidade mórbida. – Hoje é o meu aniversário, você não tem um dólar pra me ajudar?
No começo é pitoresco, mas depois de uma semana enche o saco. Simulo outra expressão de compaixão e sigo em frente. Eu também estou desempregado.
Iludido pela noturnidade precoce da farra americana, chego cedo demais na boate que anunciava dancehall e reggae. Os organizadores me recebem na porta e indicam um bar do outro lado da rua pra tomar uma cerveja enquanto a música não começa. Clássico: balcão com luz indireta, um DJ rodando música eletrônica. Tomo uma cerveja Stela Artois, deliciosa e cara, depois de apresentar minha identidade – menores de 21 não têm vez nestas bandas.
Um casal bebe ao meu lado, conversando animadamente. Faço amizade com eles, conto minha história, faço minha jogada em busca de um pouco de companhia; aquela música do Cazuza não poderia estar mais errada: “viver é bom, nas curvas da estrada. Solidão, que nada...”.
O casal que puxei papo são irmãos. O cara, Larry, constrói cenários para uma prestigiada companhia de teatro local. Amistoso, mostra fotos dos cenários no celular. Teço elogios sinceros: “parece pedra mesmo”. Saímos para um cigarro no frio noturno, enquanto um grupo de mexicanos dá uns tapas na pantera diante de uma viatura do departamento de Polícia de San Francisco, um “cruiser”. O policial parece entediado. Larry puxa papo com os mexicanos, que vieram de Richmond, subúrbio do outro lado da baía, uma das cidades do anel de violência e pobreza anglo-saxã que cerca a pungência turística de San Francisco. A situação começa a ficar perigosa: o cruiser toca as sirenes, o famoso “peouw...”, o aviso breve e sonoro. Os mexicanos entram no bar, um por um. Me despeço do último, com a indumentária fantástica e original dos despossuídos americanos: boné de lado, roupas esportivas, calça folgadona e tênis espaciais.
- Valeu cara, tudo de bueno.... – arrisco meu espanhol macarrônico.
- Yeah man, see you... – e entra no clube. Respiro fundo. É meia-noite, auge da vida noturna. O frio treme minhas pernas. Volto para dentro. O leão de chácara, um negro claro e de fala rápida, metralha algo para uma garota menor de idade:
- Você vai me matar comissoaí gata, identidade falsa pode medarcadeia...
Acima, os edifícios de escritórios brilham com a vibração das empresas de Internet trabalhando: Google, CNET, dezenas de empresários iniciantes com os olhos vidrados de anfetaminas e programas de computador enquanto o asfalto pulsa, como se estivesse à espera do grande terremeto que um dia reduzirá tudo isto aqui a escombros fumegantes.
10.10.06
The Port Authority of NJ & NY
Deslocamento rápido de San Francisco para Detroit, escala, cara a cara com a decadência industrial americana - um aeroporto com tapetes imundos, feiúra generalizada, desemprego. Carros baratos no Detroit Free Press, espécie de A Tarde anglo-saxão.
Mais um pulo, voando sobre o Lago Michigan, oceano lacustre de poluição e vida. Na grande maçã, ajuda peremptória de um negão-brother. Shuttle para lá e para cá, até o sono restaurador no Howard Johnson, motel-humano à beira da rodovia absurda, ponto nevrálgico da economia desta nação imperial. Indianos, chineses, negros, brasileiros, espanhóis, latinos, filipinos, o mundo em uma dobra do mundo, entre o Rio Hudson e o Oceano Atlântico.
Numa lanchonete imunda em Jersey City, peço um hambúrguer gorduroso. A garçonete gorda, de maquiagem pesada, discute com um negro-dreadlock - "Eles deviam bombardear a porcaria da Coréia do Norte". O negro-dread não se incomoda, discute. Depois vai embora. "Esse é o problema com os homens americanos, eles perderam as bolas...".
Volto para o hotel. Amanhã é o grande dia, tudo ou nada nesta terra de imigrantes, a melhor chance de um ganha-pão até agora. Do lado de fora, a temperatura cai.
Mais um pulo, voando sobre o Lago Michigan, oceano lacustre de poluição e vida. Na grande maçã, ajuda peremptória de um negão-brother. Shuttle para lá e para cá, até o sono restaurador no Howard Johnson, motel-humano à beira da rodovia absurda, ponto nevrálgico da economia desta nação imperial. Indianos, chineses, negros, brasileiros, espanhóis, latinos, filipinos, o mundo em uma dobra do mundo, entre o Rio Hudson e o Oceano Atlântico.
Numa lanchonete imunda em Jersey City, peço um hambúrguer gorduroso. A garçonete gorda, de maquiagem pesada, discute com um negro-dreadlock - "Eles deviam bombardear a porcaria da Coréia do Norte". O negro-dread não se incomoda, discute. Depois vai embora. "Esse é o problema com os homens americanos, eles perderam as bolas...".
Volto para o hotel. Amanhã é o grande dia, tudo ou nada nesta terra de imigrantes, a melhor chance de um ganha-pão até agora. Do lado de fora, a temperatura cai.
7.10.06
Hotel CW
Entre os viciados em crack e os fracassados, achei meu lugar num cantinho frio da Rua Folsom, perto das vendinhas de chineses e dos bares de lesbicas punk. Roubaram meu shampoo mas estou bem.
KDK
KDK
28.9.06
AMIGAS DA CÍNTIA
Polonesa dava maconha a suas vacas para mantê-las tranqüilas
"A Polícia da província polonesa de Szczecin descobriu que uma camponesa da aldeia de Lobza cultivava maconha e que, como a mulher explicou às autoridades, dava a droga a suas vacas, misturada com a ração para gado, para tranqüilizá-las.
Os policiais que descobriram e destruíram a plantação de maconha disseram que a camponesa de 55 anos se mostrou uma grande agricultora, já que os pés de maconha tinham mais de três metros de altura.
Os especialistas do laboratório da Polícia que analisaram as plantas asseguraram que continham uma grande quantidade de narcótico de alta qualidade. "Minhas vacas, não sei por que, são muito loucas, sempre estão dando pulos e correndo. Uma delas em certa ocasião fraturou meu braço", explicou a camponesa.
A mulher contou esses "problemas" para alguém, que a aconselhou a dar um pouco de maconha para os animais ficarem tranqüilos.
A camponesa comprou as sementes da maconha em um mercado, as semeou e cobriu o lugar com um plástico, para que ninguém visse a plantação, porque não queria perder seu "remédio".
"Tenho que reconhecer que se trata de uma solução estupenda, porque desde que lhes deu a primeira porção de maconha minhas vacas estão como cordeirinhos", explicou."
fonte: http://noticias.terra.com.br/popular/interna/0,,OI1163030-EI1141,00.html
"A Polícia da província polonesa de Szczecin descobriu que uma camponesa da aldeia de Lobza cultivava maconha e que, como a mulher explicou às autoridades, dava a droga a suas vacas, misturada com a ração para gado, para tranqüilizá-las.
Os policiais que descobriram e destruíram a plantação de maconha disseram que a camponesa de 55 anos se mostrou uma grande agricultora, já que os pés de maconha tinham mais de três metros de altura.
Os especialistas do laboratório da Polícia que analisaram as plantas asseguraram que continham uma grande quantidade de narcótico de alta qualidade. "Minhas vacas, não sei por que, são muito loucas, sempre estão dando pulos e correndo. Uma delas em certa ocasião fraturou meu braço", explicou a camponesa.
A mulher contou esses "problemas" para alguém, que a aconselhou a dar um pouco de maconha para os animais ficarem tranqüilos.
A camponesa comprou as sementes da maconha em um mercado, as semeou e cobriu o lugar com um plástico, para que ninguém visse a plantação, porque não queria perder seu "remédio".
"Tenho que reconhecer que se trata de uma solução estupenda, porque desde que lhes deu a primeira porção de maconha minhas vacas estão como cordeirinhos", explicou."
fonte: http://noticias.terra.com.br/popular/interna/0,,OI1163030-EI1141,00.html
26.9.06
beatiful day
It`s fun to watch the colors babe, not the colors in the movies, but the blue in the sky, or the sandy quality of the earth, maybe just the skin tone of the Mexicans strolling down the street, trying to look dangerous. They’re probably as scared as me, taking the empty sidewalk while the cars zoom by, fast, fast, so fast that they even think where to go – just drive.
So today I had an actual job interview – me, a Latina, a black guy from Texas and a middle aged woman with strange, luminous ideas. While we where waiting for the presentation on how to get as much money as we can for the Democratic National Committee, she just stopped for a moment, took a good look at our faces, and said:
- You know, we’re just like a rainbow, if we could work together, each of us could approach a different kind of person…
Fifteen minutes later, I got the job and walked home all satisfied with myself. It`s a kind of weird how I can make exactly the impression that I want, but can’t control it. Now I`m all fired up, watching American television (ads about who to vote for attorney general or no on proposition 86 – whatever that means).
Doc, I dream so much now that reality struck me with a 2 by 4. I’m scared because I can’t control them. Do you think that I’m gonna be ok? You know, I can`t sound cool like these other guys. I’m just a normal person, I guess. Can I go now?
Victor Taylor (aka ANL)
So today I had an actual job interview – me, a Latina, a black guy from Texas and a middle aged woman with strange, luminous ideas. While we where waiting for the presentation on how to get as much money as we can for the Democratic National Committee, she just stopped for a moment, took a good look at our faces, and said:
- You know, we’re just like a rainbow, if we could work together, each of us could approach a different kind of person…
Fifteen minutes later, I got the job and walked home all satisfied with myself. It`s a kind of weird how I can make exactly the impression that I want, but can’t control it. Now I`m all fired up, watching American television (ads about who to vote for attorney general or no on proposition 86 – whatever that means).
Doc, I dream so much now that reality struck me with a 2 by 4. I’m scared because I can’t control them. Do you think that I’m gonna be ok? You know, I can`t sound cool like these other guys. I’m just a normal person, I guess. Can I go now?
Victor Taylor (aka ANL)
22.9.06
11.9.06
A ópera apoteótica do profeta operário
Por Wladimir Cazé
wladimircaze@gmail.com
&
Toni Couto
tonicouto@hotmail.com
Entre luzes chapadas e microfonias ensurdecedoras, surge o profeta Tom Zé, com sua inteligência verbal e sua extravagância tropicalista (sim), na Concha Acústica do Theatro Castro Alves, em Salvador, numa tarde de domingo, ao terceiro dia de setembro do ano de 2006. O senhor gabiru de quase 70 anos começa a bradar pelo microfone suas ladainhas para jovens cabeçarati, rastafaris culturais e remanescentes da 5ª Parada Gay de Salvador. A banda aparece e a primeira música do show é "2001", música gravada pelo menestrel de Irará em 1968, em parceria com Os Mutantes.
Tom Zé diz:
- "Pára tudo. Agora vamos tocar a opereta-pagode. Esse show é do meu CD do ano passado: ‘Estudando o pagode: na opereta segrega mulher e amor’. Resumo da história: o homem está desanimado, andando maltrapilho, macambúzio. A mulher ficou independente, muito exigente. É por isso que o homem aqui está vestido de mendigo."
Ele aponta para Jarbas Mariz (percussão, cavaquinho). Fala:
- "Tá vendo esse sujeito? Tem cabimento um músico se vestir assim, um marmanjo desse?"
Justamente por nada ter cabimento é que o “mendigo” Tom Zé está ali, um brasileiro que o povo conhece bem! Entretanto, é curioso que a pobreza só tenha conquistado alguma apreciação no universo cult através de um porta-voz que precisou recomeçar sua carreira nos Estados Unidos para se realizar profissionalmente enquanto autêntico compositor maldito da música popular brasileira.
Seguem-se as harmonias tensas e aparentemente caótico-dissonantes que o ex-aluno de Koellroutter e de Smetak na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia criou para as composições da opereta-pagode. Canções difíceis, onde diversos ritmos de samba comparecem radiografados pelos sismógrafos da vanguarda e do repentismo atemporal. Entreouvimos estilhaços de samba-de-roda, samba-canção, samba-enredo e bossa nova (citados na letra Antonio Carlos Jobim, Baden Powell, Vinicius de Moraes, Menescal, Nara Leão).
Ele aponta para Luanda (vocal) e Cristina Carneiro (voz, teclados). Fala:
- "A mulher, não! A mulher aqui na ópera está vestida de operária!"
O argumento encenado prossegue, o homem propõe um tratado de paz com a mulher, para que vivam juntos. Brigam de novo. Nova reconciliação. Segue o baile.
A partir de um momento que não conseguimos lembrar, Tom Zé dá início a uma sequência de canções do disco "Estudando o samba" (1976), reconstruído em comemoração a seu aniversário de 30 anos: "Hein?" (Tom Zé/Vicente Barreto), "Tô" (Tom Zé/Elton Medeiros), etc.
- "Em outubro deste ano, eu completo 70 anos! Vamos comemorar!"
A saga melódico-sentimental continua com um belo apanhado de composições conhecidas no universo cult. Pelo menos uma delas foi a pedido do público, a gritos e palmas: "Parque industrial" (hino tropicalista gravado duas vezes em 1968: em "Tom Zé", seu primeiro álbum individual, e no antológico "Tropicália ou Panis et circensis", com Gal, Caetano, Gil, Duprat, Mutantes, Nara et alli.):
- "Retocai o céu de anil
Bandeirolas no cordão
Grande festa em toda a nação.
Despertai com orações
O avanço industrial
Vem trazer nossa redenção.
Tem garota-propaganda
Aeromoça e ternura no cartaz,
(...)
(...)
Porque é made, made, made, made in Brazil!!!."
Tom Zé de novo:
- "O Ministro da Cultura Gilberto Gil me convidou para fazer um discurso na ONU e eu vou fazê-lo aqui, para ver se vocês aprovam” - anunciou o velho profeta, às vésperas das eleições, prestes a rasgar seu terno de velcro durante a apresentação da música-discurso ‘Politicar’, do disco ‘Com defeito de fabricação’ (1998).
Tom Zé de novo:
- "Pára, que essa música já tá chata! Vamos tocar outra!”
Mais do que maestro do espetáculo, o comandante do palco se anima mais ainda e lança um desafio para o público:
- "Todo mundo diz que baiano é inteligente! Quero ver agora! Vamos compor uma estrofe AGORA! Se preparem!"
Na velha tradição do improviso!!?? Nos perguntamos, já arriscando adivinhar o tema musical que ele escolheria para pôr mote. Era... como é mesmo o nome? “Jimmy renda-se”: “Lá-lá-lá-lá-lá-lá-lá láááá!...” Que letra será que ele vai cantar em cima?...
A tarde parecia não ter fim, consideradas a quantidade de bis concedidos e a disposição física e criativa do artista, que gesticulava e se movimentava sem parar. Mas promessas ficaram não-cumpridas, a música que ele propunha que criássemos coletivamente naquele exato momento teve que ser adiada, porque a produção avisou que o horário estava encerrado, encerrado, encerrado...
A galera ficou com um gostinho de saudade na saliva, misturado com a realização de ter presenciado uma apoteose rara.
Vale ressaltar que, para participar do evento, foi necessário doar um livro e que Tom Zé fez questão de fazer sua doação no palco, entregando o seu “Tropicalista lenta luta” (publicado em 2003) – por sinal, uma ótima dica de leitura para quem quiser sentir a presença do artista durante mais algum tempo.
wladimircaze@gmail.com
&
Toni Couto
tonicouto@hotmail.com
Entre luzes chapadas e microfonias ensurdecedoras, surge o profeta Tom Zé, com sua inteligência verbal e sua extravagância tropicalista (sim), na Concha Acústica do Theatro Castro Alves, em Salvador, numa tarde de domingo, ao terceiro dia de setembro do ano de 2006. O senhor gabiru de quase 70 anos começa a bradar pelo microfone suas ladainhas para jovens cabeçarati, rastafaris culturais e remanescentes da 5ª Parada Gay de Salvador. A banda aparece e a primeira música do show é "2001", música gravada pelo menestrel de Irará em 1968, em parceria com Os Mutantes.
Tom Zé diz:
- "Pára tudo. Agora vamos tocar a opereta-pagode. Esse show é do meu CD do ano passado: ‘Estudando o pagode: na opereta segrega mulher e amor’. Resumo da história: o homem está desanimado, andando maltrapilho, macambúzio. A mulher ficou independente, muito exigente. É por isso que o homem aqui está vestido de mendigo."
Ele aponta para Jarbas Mariz (percussão, cavaquinho). Fala:
- "Tá vendo esse sujeito? Tem cabimento um músico se vestir assim, um marmanjo desse?"
Justamente por nada ter cabimento é que o “mendigo” Tom Zé está ali, um brasileiro que o povo conhece bem! Entretanto, é curioso que a pobreza só tenha conquistado alguma apreciação no universo cult através de um porta-voz que precisou recomeçar sua carreira nos Estados Unidos para se realizar profissionalmente enquanto autêntico compositor maldito da música popular brasileira.
Seguem-se as harmonias tensas e aparentemente caótico-dissonantes que o ex-aluno de Koellroutter e de Smetak na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia criou para as composições da opereta-pagode. Canções difíceis, onde diversos ritmos de samba comparecem radiografados pelos sismógrafos da vanguarda e do repentismo atemporal. Entreouvimos estilhaços de samba-de-roda, samba-canção, samba-enredo e bossa nova (citados na letra Antonio Carlos Jobim, Baden Powell, Vinicius de Moraes, Menescal, Nara Leão).
Ele aponta para Luanda (vocal) e Cristina Carneiro (voz, teclados). Fala:
- "A mulher, não! A mulher aqui na ópera está vestida de operária!"
O argumento encenado prossegue, o homem propõe um tratado de paz com a mulher, para que vivam juntos. Brigam de novo. Nova reconciliação. Segue o baile.
A partir de um momento que não conseguimos lembrar, Tom Zé dá início a uma sequência de canções do disco "Estudando o samba" (1976), reconstruído em comemoração a seu aniversário de 30 anos: "Hein?" (Tom Zé/Vicente Barreto), "Tô" (Tom Zé/Elton Medeiros), etc.
- "Em outubro deste ano, eu completo 70 anos! Vamos comemorar!"
A saga melódico-sentimental continua com um belo apanhado de composições conhecidas no universo cult. Pelo menos uma delas foi a pedido do público, a gritos e palmas: "Parque industrial" (hino tropicalista gravado duas vezes em 1968: em "Tom Zé", seu primeiro álbum individual, e no antológico "Tropicália ou Panis et circensis", com Gal, Caetano, Gil, Duprat, Mutantes, Nara et alli.):
- "Retocai o céu de anil
Bandeirolas no cordão
Grande festa em toda a nação.
Despertai com orações
O avanço industrial
Vem trazer nossa redenção.
Tem garota-propaganda
Aeromoça e ternura no cartaz,
(...)
(...)
Porque é made, made, made, made in Brazil!!!."
Tom Zé de novo:
- "O Ministro da Cultura Gilberto Gil me convidou para fazer um discurso na ONU e eu vou fazê-lo aqui, para ver se vocês aprovam” - anunciou o velho profeta, às vésperas das eleições, prestes a rasgar seu terno de velcro durante a apresentação da música-discurso ‘Politicar’, do disco ‘Com defeito de fabricação’ (1998).
Tom Zé de novo:
- "Pára, que essa música já tá chata! Vamos tocar outra!”
Mais do que maestro do espetáculo, o comandante do palco se anima mais ainda e lança um desafio para o público:
- "Todo mundo diz que baiano é inteligente! Quero ver agora! Vamos compor uma estrofe AGORA! Se preparem!"
Na velha tradição do improviso!!?? Nos perguntamos, já arriscando adivinhar o tema musical que ele escolheria para pôr mote. Era... como é mesmo o nome? “Jimmy renda-se”: “Lá-lá-lá-lá-lá-lá-lá láááá!...” Que letra será que ele vai cantar em cima?...
A tarde parecia não ter fim, consideradas a quantidade de bis concedidos e a disposição física e criativa do artista, que gesticulava e se movimentava sem parar. Mas promessas ficaram não-cumpridas, a música que ele propunha que criássemos coletivamente naquele exato momento teve que ser adiada, porque a produção avisou que o horário estava encerrado, encerrado, encerrado...
A galera ficou com um gostinho de saudade na saliva, misturado com a realização de ter presenciado uma apoteose rara.
Vale ressaltar que, para participar do evento, foi necessário doar um livro e que Tom Zé fez questão de fazer sua doação no palco, entregando o seu “Tropicalista lenta luta” (publicado em 2003) – por sinal, uma ótima dica de leitura para quem quiser sentir a presença do artista durante mais algum tempo.
28.8.06
O GELO E A FÚRIA
1 A colônia
O inspetor-geral já deve ter lhe informado sobre as características gerais de nossa operação nas luas de Saturno. O alinhamento das estações retransmissoras também pede brevidade; em uma hora, a interferência de Júpiter enfraquecerá esta linha dedicada. Cheguei à Base Titã há 5 dias, 8 horas e quarenta e dois minutos, vindo do Cinturão de Asteróides, um engajamento discreto de módulos com alta velocidade. Atravessamos a atmosfera de Titã numa cápsula retornável e fomos recebidos pelos 10 técnicos coloniais, aparentemente felizes. A válvula principal da planta de eletrólise de metano estava quebrada. Aguardavam novo comboio para continuar a extração. Enquanto isso, o Contra-mestre Adolfe mostrou-me os vistosos domos hidropônicos das instalações subterrâneas aquecidas. Reciclando pedaços do módulo de pouso, eles construíram mais uma sala de convívio, onde ganhamos aposentos eu e meu assistente, Jonas. Depois descobri que pretendiam nos vigiar, mas fornecemos a eles a exata idéia do que esperavam: dois fiscais burocratas e medrosos.
O objetivo de minha visita surpresa era identificar o motivo do segundo problema mecânico em um ano de colônia extrativa, com a mesma peça. Os gerentes acusaram falha hal no sistema lógico do módulo-mãe, mas recuaram diante das leituras de vigilância normais. Como uma válvula feita de Titânio e resistente a -250 centígrados quebra duas vezes? Os fornecedores garantiam sua excelência. A válvula defeituosa impedia a extração de metano para os rebocadores do Sistema Solar Interior, Marte e Terra, comunidades crescentes, ávidas por substâncias de fusão e conversão. A redundância é um fator a ser analisado.
O Contra-mestre conduziu passeios agradáveis pela costa de Adiri, as planícies de gelo escuro. No último dia, fizemos uma reunião alegre e declarei que meu relatório seria favorável à manutenção da colônia. Eles demonstraram alívio, cumprimentaram a minha decisão e traçaram planos para ampliação da planta, com o material de reserva do pacote inicial do módulo-mãe. Mais tarde, na sala supostamente vigiada, simulamos um entendimento mútuo sobre a idoneidade dos colonos vigiada e, depois do sono regulamentar, iniciamos os preparativos para a decolagem e nosso retorno ao conforto espaçoso dos escritórios centrais de Marte.
2 Verna T.
A fraca luz alaranjada pouco atravessava a neblina de metano e gelo de água, etéreo nitrogênio inerte, nos poucos momentos permitidos de observação real, embaçando a escotilha da unidade mecanizada, eu tremia de medo da radiação e vibrava com a oportunidade de observar o mundo alienígena, pois eu vivia na colônia, escavada a 300 metros no solo esponjoso, com seu calor exíguo de pouca companhia humana, notícias distantes e atrasadas, interferências magnéticas, a estação simplificada sob minha responsabilidade. Paredes de aço sempre a 20 graus nos corredores de labirinto cinza, monitores econômicos, rotina espartana, ar-condicionado. Acordamos quando o bip ordena (almofadas sintéticas) comemos quando a máquina processa a pasta nutritiva, quedamos refúgio ao último nível durante tempestades solares.
As coisas mudaram quando fui ajudar James C., durante um defeito na válvula de eletrólise, a 3 km da colônia. Petti Amazon, a chefe da ala nerd dos cientistas pesquisadores, os mais aplicados dentre os três grupos de trabalho, acusava James C. de ser um caráter duvidoso, caso provável de insanidade, um coringa que deveria voltar para a Estação Cinturão no próximo semestre, mas ele fez amizade com James Tiptree, o botânico, e ganhou o resto dos colonos graças a uma evolução significativa do cardápio. Ele introduziu folhas e frutos na dieta. Agradou em especial o Contra-mestre, vegetariano ávido, pouco entusiasmado com a pasta nutritiva regulamentar.
Encontrei James C. na pequena cabine climatizada do controle, perto do calor das máquinas, no centro do domo simplificado que abriga os condensadores de metano e as escavadeiras. Pareceu tranqüilo quando lembrei do avanço das horas. Logo começaria a noite gelada, Saturno engolindo o céu e -200 abaixo de zero durante quinze dias.
- E o defeito?
- Não há defeito na válvula. Você conhece os Luditas?, disse, e pediu que me acomodasse na esteira de cânhamo para poder explicar melhor.
3 A farsa
Jonas ativou os códigos ocultos, enganando os sensores dos colonos com uma decolagem falsa, transmitida pelo anulador de sinal. Protegido pelo chumbo-traje, aproximou-se da colônia para instalar receptores secretos. Enquanto isso, à minha frente, na cápsula, os monitores exibiam os primeiros dados obtidos pela farejada eletrônica de Jonas: os diários oficiais, os particulares e o Registro Geral, última instância de sabença vigilante. As capas concêntricas de dados floresceram na revelação daquela história singular, de um indivíduo chamado James C., mecânico, que trouxe livros inadequados em sua bagagem privada, na primeira leva. Por meios pessoais, C. introduziu o cultivo de cânhamo nos domos hidropônicos.
Seu primeiro aliado foi a oficial de comunicações Verna T. Eles catequizaram os outros colonos, reduzindo as atividades de operação da planta extrativa e de escavação dos tanques recipientes. Munido com a dialética libertária de um jamaicano negro, James C. convenceu os outros a mudar de perspectiva sobre o seu papel neste mundo gelado. Diante da disponibilidade de elementos (água, metano) e a auto-suficiência da usina de clonagem nos domos hidropônicos, poderiam declarar independência, com prejuízos possíveis para a Corporação. Através das escutas, acompanhei o nervosismo dos colonos depois da falsa decolagem. James C. argumentava pela declaração imediata de Zona Autônoma Temporária, transmitida para a internet pelo satélite de emergência Cassini. O Contra-mestre, os cientistas e os outros mecânicos, mais conservadores, pediam pela continuidade da farsa.
Depois da reunião amarga, Verna T. detectou o chumbo-traje de Jonas afastando-se da entrada da colônia. Jonas não teve opção senão eliminar Verna T. Seu desaparecimento causou ainda mais preocupação entre os colonos. Hoje, um elemento desconhecido derrubou as escutas instaladas por Jonas. Alguém está nos vigiando. Podemos partir a qualquer momento, mas a nova posição em órbita enfraqueceria nossa vantagem estratégica. Eu e o inspetor-geral concordamos que a colônia ainda pode ser retomada com negociação psicológica, antes que vire um escândalo.
4 Babilônia
Os espiões continuaram estáticos nos primeiros dois dias, então decretei a colônia uma Zona Autônoma Temporária; o paralelo 35 tornou-se Zubrin, nossa primeira cidade. Os cientistas hostilizaram imediatamente a Zona, mas continuaram seguindo as ordens do Contra-mestre, leal à revolução. No terceiro dia, a cápsula dos espiões decolou e tudo pareceu voltar à normalidade. A colônia abandonaria a produção de metano e dedicar-se-ia à colonização de Titã em bases libertárias.
Mas uma nova cápsula pousou e conhecemos Aleph, o simpático negociador, que ofereceu o dobro do salário se os colonos abandonassem sua demanda por autonomia. De início, os legalistas não deram sinais de abandonar o plano, mas um movimento rápido e me jogaram na saída externa. “Morra você e sua doutrina ridícula”, gritou Petti do outro lado, a abestalhada. Eu escondera um fino traje de vácuo na saída; tive de roubar um jipe para buscar refúgio na planta de metano.
Pode parecer fácil para alguém como eu, abandonado a bilhões de quilômetros da Terra, com o frio aumentando à medida que as baterias evaporam o último caldo, recitar novamente toda a dialética da minha revolução; mas a solidão exige disciplina e, ironicamente, minha sobrevivência depende agora da restauração da peça que fingi estar quebrada, a mentira que paralisou as atividades capitalistas dos colonos. O espião não sabe que eu também monitorei suas transmissões, então eu tenho dois rifles magnéticos e muitos cobertores. Iniciei os trabalhos de engenharia reversa. Estou tentando construir um domo hidropônico.
Através da Cassini, criei um website e uns caras em Bangkok acham que podem entrar com uma ação na Corte Internacional de Justiça, argumentando com base um tratado da ONU de 1969. Enquanto isso, eu os outros mantemos uma distância respeitável, exceto quando eu volto secretamente à base para reabastecer com víveres do velho Tiptree. Há até muitas órfãs querendo vir para cá me ajudar na colonização, mas o governo nega passagem, me boicotam, a Virgin Galactic se recusa a voar para cá.
KDK
O inspetor-geral já deve ter lhe informado sobre as características gerais de nossa operação nas luas de Saturno. O alinhamento das estações retransmissoras também pede brevidade; em uma hora, a interferência de Júpiter enfraquecerá esta linha dedicada. Cheguei à Base Titã há 5 dias, 8 horas e quarenta e dois minutos, vindo do Cinturão de Asteróides, um engajamento discreto de módulos com alta velocidade. Atravessamos a atmosfera de Titã numa cápsula retornável e fomos recebidos pelos 10 técnicos coloniais, aparentemente felizes. A válvula principal da planta de eletrólise de metano estava quebrada. Aguardavam novo comboio para continuar a extração. Enquanto isso, o Contra-mestre Adolfe mostrou-me os vistosos domos hidropônicos das instalações subterrâneas aquecidas. Reciclando pedaços do módulo de pouso, eles construíram mais uma sala de convívio, onde ganhamos aposentos eu e meu assistente, Jonas. Depois descobri que pretendiam nos vigiar, mas fornecemos a eles a exata idéia do que esperavam: dois fiscais burocratas e medrosos.
O objetivo de minha visita surpresa era identificar o motivo do segundo problema mecânico em um ano de colônia extrativa, com a mesma peça. Os gerentes acusaram falha hal no sistema lógico do módulo-mãe, mas recuaram diante das leituras de vigilância normais. Como uma válvula feita de Titânio e resistente a -250 centígrados quebra duas vezes? Os fornecedores garantiam sua excelência. A válvula defeituosa impedia a extração de metano para os rebocadores do Sistema Solar Interior, Marte e Terra, comunidades crescentes, ávidas por substâncias de fusão e conversão. A redundância é um fator a ser analisado.
O Contra-mestre conduziu passeios agradáveis pela costa de Adiri, as planícies de gelo escuro. No último dia, fizemos uma reunião alegre e declarei que meu relatório seria favorável à manutenção da colônia. Eles demonstraram alívio, cumprimentaram a minha decisão e traçaram planos para ampliação da planta, com o material de reserva do pacote inicial do módulo-mãe. Mais tarde, na sala supostamente vigiada, simulamos um entendimento mútuo sobre a idoneidade dos colonos vigiada e, depois do sono regulamentar, iniciamos os preparativos para a decolagem e nosso retorno ao conforto espaçoso dos escritórios centrais de Marte.
2 Verna T.
A fraca luz alaranjada pouco atravessava a neblina de metano e gelo de água, etéreo nitrogênio inerte, nos poucos momentos permitidos de observação real, embaçando a escotilha da unidade mecanizada, eu tremia de medo da radiação e vibrava com a oportunidade de observar o mundo alienígena, pois eu vivia na colônia, escavada a 300 metros no solo esponjoso, com seu calor exíguo de pouca companhia humana, notícias distantes e atrasadas, interferências magnéticas, a estação simplificada sob minha responsabilidade. Paredes de aço sempre a 20 graus nos corredores de labirinto cinza, monitores econômicos, rotina espartana, ar-condicionado. Acordamos quando o bip ordena (almofadas sintéticas) comemos quando a máquina processa a pasta nutritiva, quedamos refúgio ao último nível durante tempestades solares.
As coisas mudaram quando fui ajudar James C., durante um defeito na válvula de eletrólise, a 3 km da colônia. Petti Amazon, a chefe da ala nerd dos cientistas pesquisadores, os mais aplicados dentre os três grupos de trabalho, acusava James C. de ser um caráter duvidoso, caso provável de insanidade, um coringa que deveria voltar para a Estação Cinturão no próximo semestre, mas ele fez amizade com James Tiptree, o botânico, e ganhou o resto dos colonos graças a uma evolução significativa do cardápio. Ele introduziu folhas e frutos na dieta. Agradou em especial o Contra-mestre, vegetariano ávido, pouco entusiasmado com a pasta nutritiva regulamentar.
Encontrei James C. na pequena cabine climatizada do controle, perto do calor das máquinas, no centro do domo simplificado que abriga os condensadores de metano e as escavadeiras. Pareceu tranqüilo quando lembrei do avanço das horas. Logo começaria a noite gelada, Saturno engolindo o céu e -200 abaixo de zero durante quinze dias.
- E o defeito?
- Não há defeito na válvula. Você conhece os Luditas?, disse, e pediu que me acomodasse na esteira de cânhamo para poder explicar melhor.
3 A farsa
Jonas ativou os códigos ocultos, enganando os sensores dos colonos com uma decolagem falsa, transmitida pelo anulador de sinal. Protegido pelo chumbo-traje, aproximou-se da colônia para instalar receptores secretos. Enquanto isso, à minha frente, na cápsula, os monitores exibiam os primeiros dados obtidos pela farejada eletrônica de Jonas: os diários oficiais, os particulares e o Registro Geral, última instância de sabença vigilante. As capas concêntricas de dados floresceram na revelação daquela história singular, de um indivíduo chamado James C., mecânico, que trouxe livros inadequados em sua bagagem privada, na primeira leva. Por meios pessoais, C. introduziu o cultivo de cânhamo nos domos hidropônicos.
Seu primeiro aliado foi a oficial de comunicações Verna T. Eles catequizaram os outros colonos, reduzindo as atividades de operação da planta extrativa e de escavação dos tanques recipientes. Munido com a dialética libertária de um jamaicano negro, James C. convenceu os outros a mudar de perspectiva sobre o seu papel neste mundo gelado. Diante da disponibilidade de elementos (água, metano) e a auto-suficiência da usina de clonagem nos domos hidropônicos, poderiam declarar independência, com prejuízos possíveis para a Corporação. Através das escutas, acompanhei o nervosismo dos colonos depois da falsa decolagem. James C. argumentava pela declaração imediata de Zona Autônoma Temporária, transmitida para a internet pelo satélite de emergência Cassini. O Contra-mestre, os cientistas e os outros mecânicos, mais conservadores, pediam pela continuidade da farsa.
Depois da reunião amarga, Verna T. detectou o chumbo-traje de Jonas afastando-se da entrada da colônia. Jonas não teve opção senão eliminar Verna T. Seu desaparecimento causou ainda mais preocupação entre os colonos. Hoje, um elemento desconhecido derrubou as escutas instaladas por Jonas. Alguém está nos vigiando. Podemos partir a qualquer momento, mas a nova posição em órbita enfraqueceria nossa vantagem estratégica. Eu e o inspetor-geral concordamos que a colônia ainda pode ser retomada com negociação psicológica, antes que vire um escândalo.
4 Babilônia
Os espiões continuaram estáticos nos primeiros dois dias, então decretei a colônia uma Zona Autônoma Temporária; o paralelo 35 tornou-se Zubrin, nossa primeira cidade. Os cientistas hostilizaram imediatamente a Zona, mas continuaram seguindo as ordens do Contra-mestre, leal à revolução. No terceiro dia, a cápsula dos espiões decolou e tudo pareceu voltar à normalidade. A colônia abandonaria a produção de metano e dedicar-se-ia à colonização de Titã em bases libertárias.
Mas uma nova cápsula pousou e conhecemos Aleph, o simpático negociador, que ofereceu o dobro do salário se os colonos abandonassem sua demanda por autonomia. De início, os legalistas não deram sinais de abandonar o plano, mas um movimento rápido e me jogaram na saída externa. “Morra você e sua doutrina ridícula”, gritou Petti do outro lado, a abestalhada. Eu escondera um fino traje de vácuo na saída; tive de roubar um jipe para buscar refúgio na planta de metano.
Pode parecer fácil para alguém como eu, abandonado a bilhões de quilômetros da Terra, com o frio aumentando à medida que as baterias evaporam o último caldo, recitar novamente toda a dialética da minha revolução; mas a solidão exige disciplina e, ironicamente, minha sobrevivência depende agora da restauração da peça que fingi estar quebrada, a mentira que paralisou as atividades capitalistas dos colonos. O espião não sabe que eu também monitorei suas transmissões, então eu tenho dois rifles magnéticos e muitos cobertores. Iniciei os trabalhos de engenharia reversa. Estou tentando construir um domo hidropônico.
Através da Cassini, criei um website e uns caras em Bangkok acham que podem entrar com uma ação na Corte Internacional de Justiça, argumentando com base um tratado da ONU de 1969. Enquanto isso, eu os outros mantemos uma distância respeitável, exceto quando eu volto secretamente à base para reabastecer com víveres do velho Tiptree. Há até muitas órfãs querendo vir para cá me ajudar na colonização, mas o governo nega passagem, me boicotam, a Virgin Galactic se recusa a voar para cá.
KDK
24.8.06
12.8.06
Ligações Peptídicas
Já viu, Curiosidade? Novos aparatos eletrônicos, ansiedade em links, descoberta em caminhos labirínticos, cuja volta é irreversível. Espelhos cilíndricos e frases prontas. Um aviso no topo da página: outdoor virtual, sem cores, mas com o mesmo apelo. Espaços, toques ligeiros e letras trocadas. A intenção? Só constar mesmo, pois é tudo insosso. Minhas mãos transpiram e o mouse arrasta a poeira do móvel descascado. A luz sinaliza que alguém clama pela minha atenção. Ignoro o recurso, retomo a escavadeira em pixels. Olha só o contorno desse rosto. Qual seria o programa? No outro, só os olhos. Truque de quem se engana e acha que está menos qualquer coisa. Tá não. Arrasto a ferramenta, e olha lá. Ninguém arrisca algo menos qualquer coisa. Tudo é verbo flexionado em primeira pessoa. Adjetivos fermentados e arrotados ao vento.
E ainda me perguntam: por que não?
Olhe essas linhas e veja o que é possível apreender. Nefasta lacuna. Conhece o cabelo bisonho da cor de raposa fugidia, o inseto do cinema que brilha ao furar a luz do retroprojetor, o caroço da manga sem cabelos, o carro de goma de mascar, a sopa de joanetes, a fruta areada na descrição de Hemingway, o cheiro goguento, a vergonha flamejada, o aconchego insípido e as marcas de cal virgem? Relações de transgenia. Mendel não previu, mas na permuta do amor, o gene é recessivo (aa). Nesses tempos, o medo é persecutório e a felicidade, lotérica. E há quem busque o trevo de quatro folhas, ou se agarre a um pé de coelho, ou a todas aquelas mandingas das quais se é refém, quando se respira este ar matizado de cores.
E ainda me perguntam: por que não?
Olhe essas linhas e veja o que é possível apreender. Nefasta lacuna. Conhece o cabelo bisonho da cor de raposa fugidia, o inseto do cinema que brilha ao furar a luz do retroprojetor, o caroço da manga sem cabelos, o carro de goma de mascar, a sopa de joanetes, a fruta areada na descrição de Hemingway, o cheiro goguento, a vergonha flamejada, o aconchego insípido e as marcas de cal virgem? Relações de transgenia. Mendel não previu, mas na permuta do amor, o gene é recessivo (aa). Nesses tempos, o medo é persecutório e a felicidade, lotérica. E há quem busque o trevo de quatro folhas, ou se agarre a um pé de coelho, ou a todas aquelas mandingas das quais se é refém, quando se respira este ar matizado de cores.
21.7.06
O Diário de Dang Thuy Tram
1
Doc Phu, 1970
- Não queime este aqui. Já tem fogo dentro dele. Os olhos inexpressivos do tradutor Hieu se espremeram num movimento de dor. O barril na minha frente cheirava como gasolina rançosa e cinza de celulose na selva calcinada de Doc Phu. À primeira vista, o livrinho não parecia de grande valor estratégico: capa de couro manchada de sangue e letra miúda em vietnamita. Atendi ao pedido de Hieu. horas depois, deixamos o campo de batalha fuliginoso, com cheiro de nitratos, rumo à segurança relativa de Saigon.
Nos intervalos dos interrogatórios de prisioneiros, Hieu trouxe alguns livros vietnamitas, com o propósito de ensinar-me um pouco de sua língua. Afastei as cartilhas e pedi que traduzisse o diário. Começamos devagar, mas em poucos dias a história da doutora do Exército Popular do Vietnã Dang Thuy Tram ganhou mais detalhes. Tinha 27 anos; nasceu em Hanói, numa família próspera de médicos, voluntária no campo de batalha da Província de Quang Ngai desde 1967. O diário começa em 1968, logo depois da ofensiva Tet. O resto nós completamos: morta com um tiro na testa durante ataque ao acampamento do hospital, enquanto dava cobertura para a fuga dos seus pacientes. Não respondeu aos gritos de “chieu hoi” (largue as armas). A encontramos com um rifle SPK enferrujado e uma bolsa de lona onde guardava o diário.
Uma noite, após horas de interrogatórios exaustivos, tomamos umas cervejas e Hieu me mostrou a transcrição que fizera da abertura do diário: “Tive de fazer uma operação de apêndice sem analgésicos. Só alguns tubos de novocaína, mas o soldado ferido nunca chorou ou gritou. Ele continuou a sorrir, me encorajando. Vendo o sorriso forçado em seus lábios secos e imaginando a fatiga, senti pena. Alisei seu cabelo suavemente. Gostaria de dizer: pacientes como você, que não posso curar, são os que me causam mais tristeza, e sua memória nunca fenecerá”.
2
Saigon, 1971
Eu passei por todas as investigações para ocupar meu posto na Inteligência no Exército dos EUA. Era um candidato ideal a combater o comunismo, como o filho de uma família militarista, voluntário da pátria, americano leal e crente na teoria do aterrorizante efeito dominó.
Por isso, não desconfiaram quando investiguei os registros, pouco depois de encontrar o diário, e descobri que Tram foi assassinada propositadamente, para infligir um golpe à moral dos vietcongues locais. Antes de morrer, ela já era uma heroína para os insurgentes. Naquela noite, pela primeira vez, não consegui dormir e levantei-me com os olhos inchados para o chiado das turbinas de um B-52 sendo carregado com 27 toneladas de bombas.
Troquei as moscas, a rádio Voz da América e a cerveja Lon-Pin pelo estudo da língua vietnamita, traduzindo trechos do diário sem o conhecimento de meus superiores. Eu sabia que eles me acusariam de simpatizar com o inimigo, até reconhecia na garota certos traços do que os colegas na inteligência chamavam ideologização socialista de Ho Chi Minh, mas o purgatório de Tram passou a ser o meu também, à medida que a curiosidade deixou de ser uma desculpa convincente até para mim mesmo.
Enquanto os bombardeios americanos aproximavam-se diariamente do hospital de batalha, Dang Thuy Tram escreveu que “a morte estava tão perto, as bombas desnudaram as árvores e despedaçaram casas. Aquele cachorro do Nixon é um tolo e um maluco em ampliar a guerra. Somos todos humanos, mas alguns são tão cruéis que querem o sangue dos outros para regar a sua árvore dourada”.
3
Dallas, 2005
Acho que foi quando comecei a ler o diário de Dang Thuy Tram é que meu respeito pela autoridade começou a desintegrar. Depois, ao sair do exército, juntei-me ao FBI e denunciei a corrupção no laboratório onde eu trabalhava, até que o governo ou o anticomunismo não significassem mais nada e o choro de todas as noites de cadáveres dilacerados e execuções sumárias se dissipasse o suficiente para que eu voltasse a existir. Falei do diário, mas os repórteres só estavam interessados nos podres do birô federal de investigação.
Dois dias antes de morrer em confronto com as tropas americanas perto de Duc Pho, Tram escreveu pela última vez para o misterioso M., que supomos ser o seu namorado perdido: “Não sou uma criança: já estou crescida e forte em face das dificuldades, mas neste instante, o que quero é a sua mão a cuidar de mim, ou de um amigo próximo, ou apenas a mão de uma pessoa que eu sei que é boa. Por favor, venha e segure a minha mão quando eu estiver tão solitária. Ame-me e dê forças para atravessar as partes difíceis da estrada adiante”.
Meu irmão sugeria que doasse o diário para uma biblioteca, um repórter do Washington Post me dizia que seria impossível encontrar a família Tram, mas, trinta e cinco anos depois, tive a honra de devolver os diários à mãe da jovem cirurgiã, no Vietnã, onde eles viraram um sucesso instantâneo, vendendo mais de 400 mil cópias. Para mim, continuram sendo um relato da ideologia com face humana, de alguém amaldiçoado pela história. Não me orgulho de ser o agente de sua redenção.
Nos últimos tempos, acho que voltei a dormir. Pelo menos uma vez, acho que Tram apareceu em meus sonhos, mas ela nunca disse nada, apenas chacoalhou a peneira de arroz e sorriu, assim, como se fosse um dia agradável de verão.
* O diário de Dang Thuy Tram foi devolvido para sua família pelo sargento Fred Whitehurst em 2005, após ser catalogado pelo Arquivo do Vietnã na Universidade Texas Tech.
Doc Phu, 1970
- Não queime este aqui. Já tem fogo dentro dele. Os olhos inexpressivos do tradutor Hieu se espremeram num movimento de dor. O barril na minha frente cheirava como gasolina rançosa e cinza de celulose na selva calcinada de Doc Phu. À primeira vista, o livrinho não parecia de grande valor estratégico: capa de couro manchada de sangue e letra miúda em vietnamita. Atendi ao pedido de Hieu. horas depois, deixamos o campo de batalha fuliginoso, com cheiro de nitratos, rumo à segurança relativa de Saigon.
Nos intervalos dos interrogatórios de prisioneiros, Hieu trouxe alguns livros vietnamitas, com o propósito de ensinar-me um pouco de sua língua. Afastei as cartilhas e pedi que traduzisse o diário. Começamos devagar, mas em poucos dias a história da doutora do Exército Popular do Vietnã Dang Thuy Tram ganhou mais detalhes. Tinha 27 anos; nasceu em Hanói, numa família próspera de médicos, voluntária no campo de batalha da Província de Quang Ngai desde 1967. O diário começa em 1968, logo depois da ofensiva Tet. O resto nós completamos: morta com um tiro na testa durante ataque ao acampamento do hospital, enquanto dava cobertura para a fuga dos seus pacientes. Não respondeu aos gritos de “chieu hoi” (largue as armas). A encontramos com um rifle SPK enferrujado e uma bolsa de lona onde guardava o diário.
Uma noite, após horas de interrogatórios exaustivos, tomamos umas cervejas e Hieu me mostrou a transcrição que fizera da abertura do diário: “Tive de fazer uma operação de apêndice sem analgésicos. Só alguns tubos de novocaína, mas o soldado ferido nunca chorou ou gritou. Ele continuou a sorrir, me encorajando. Vendo o sorriso forçado em seus lábios secos e imaginando a fatiga, senti pena. Alisei seu cabelo suavemente. Gostaria de dizer: pacientes como você, que não posso curar, são os que me causam mais tristeza, e sua memória nunca fenecerá”.
2
Saigon, 1971
Eu passei por todas as investigações para ocupar meu posto na Inteligência no Exército dos EUA. Era um candidato ideal a combater o comunismo, como o filho de uma família militarista, voluntário da pátria, americano leal e crente na teoria do aterrorizante efeito dominó.
Por isso, não desconfiaram quando investiguei os registros, pouco depois de encontrar o diário, e descobri que Tram foi assassinada propositadamente, para infligir um golpe à moral dos vietcongues locais. Antes de morrer, ela já era uma heroína para os insurgentes. Naquela noite, pela primeira vez, não consegui dormir e levantei-me com os olhos inchados para o chiado das turbinas de um B-52 sendo carregado com 27 toneladas de bombas.
Troquei as moscas, a rádio Voz da América e a cerveja Lon-Pin pelo estudo da língua vietnamita, traduzindo trechos do diário sem o conhecimento de meus superiores. Eu sabia que eles me acusariam de simpatizar com o inimigo, até reconhecia na garota certos traços do que os colegas na inteligência chamavam ideologização socialista de Ho Chi Minh, mas o purgatório de Tram passou a ser o meu também, à medida que a curiosidade deixou de ser uma desculpa convincente até para mim mesmo.
Enquanto os bombardeios americanos aproximavam-se diariamente do hospital de batalha, Dang Thuy Tram escreveu que “a morte estava tão perto, as bombas desnudaram as árvores e despedaçaram casas. Aquele cachorro do Nixon é um tolo e um maluco em ampliar a guerra. Somos todos humanos, mas alguns são tão cruéis que querem o sangue dos outros para regar a sua árvore dourada”.
3
Dallas, 2005
Acho que foi quando comecei a ler o diário de Dang Thuy Tram é que meu respeito pela autoridade começou a desintegrar. Depois, ao sair do exército, juntei-me ao FBI e denunciei a corrupção no laboratório onde eu trabalhava, até que o governo ou o anticomunismo não significassem mais nada e o choro de todas as noites de cadáveres dilacerados e execuções sumárias se dissipasse o suficiente para que eu voltasse a existir. Falei do diário, mas os repórteres só estavam interessados nos podres do birô federal de investigação.
Dois dias antes de morrer em confronto com as tropas americanas perto de Duc Pho, Tram escreveu pela última vez para o misterioso M., que supomos ser o seu namorado perdido: “Não sou uma criança: já estou crescida e forte em face das dificuldades, mas neste instante, o que quero é a sua mão a cuidar de mim, ou de um amigo próximo, ou apenas a mão de uma pessoa que eu sei que é boa. Por favor, venha e segure a minha mão quando eu estiver tão solitária. Ame-me e dê forças para atravessar as partes difíceis da estrada adiante”.
Meu irmão sugeria que doasse o diário para uma biblioteca, um repórter do Washington Post me dizia que seria impossível encontrar a família Tram, mas, trinta e cinco anos depois, tive a honra de devolver os diários à mãe da jovem cirurgiã, no Vietnã, onde eles viraram um sucesso instantâneo, vendendo mais de 400 mil cópias. Para mim, continuram sendo um relato da ideologia com face humana, de alguém amaldiçoado pela história. Não me orgulho de ser o agente de sua redenção.
Nos últimos tempos, acho que voltei a dormir. Pelo menos uma vez, acho que Tram apareceu em meus sonhos, mas ela nunca disse nada, apenas chacoalhou a peneira de arroz e sorriu, assim, como se fosse um dia agradável de verão.
* O diário de Dang Thuy Tram foi devolvido para sua família pelo sargento Fred Whitehurst em 2005, após ser catalogado pelo Arquivo do Vietnã na Universidade Texas Tech.
19.7.06
11.7.06
Muitos na esquerda e na direita, hoje, acalentam um sonho de ordem dura dos regimes revolucionários ou conservadores. É um erro que já foi cometido antes e que, infelizmente, pode ser cometido de novo, porque as pessoas não consideram com cuidado a História.
Daí termos essa direita belicista norte-americana, esquedistas folclóricos e o retrocesso político europeu (vide casos recentes como o Berlusconi). Eu não admiro pensamento político nenhum, seja do começo do século passado, seja de séculos atrás: a política é uma pragmática maligna, de concentração de poder, sempre. E, para concentrar poder, a receita básica é: violência, corrupção, manipulação.
Escritores que se meteram com isso se deram mal. Normalmente compreendem o processo apenas em parte, e se comprometem com as monstruosidades de gente mesquinha.
Texto encontrado no orkut, copiado e aclamado pelo Senador, que detesta política. Só acrescentaria duas coisas quando ele fala de poder: EGO E DINHEIRO!
E VIVA O ORKUT!!
Daí termos essa direita belicista norte-americana, esquedistas folclóricos e o retrocesso político europeu (vide casos recentes como o Berlusconi). Eu não admiro pensamento político nenhum, seja do começo do século passado, seja de séculos atrás: a política é uma pragmática maligna, de concentração de poder, sempre. E, para concentrar poder, a receita básica é: violência, corrupção, manipulação.
Escritores que se meteram com isso se deram mal. Normalmente compreendem o processo apenas em parte, e se comprometem com as monstruosidades de gente mesquinha.
Texto encontrado no orkut, copiado e aclamado pelo Senador, que detesta política. Só acrescentaria duas coisas quando ele fala de poder: EGO E DINHEIRO!
E VIVA O ORKUT!!
1.7.06
Para: kolunistas@yahoogroups.com
De: "Lorde Byron"
Data: Tue, 9 Jul 2002 17:48:22 -0300 (ART)
Assunto: [kolunistas] acordei de um pesadelo
IRRADIAÇÃO
Pareceu um flash. Depois um fedor em toda a cidade, como veneno de matar baratas, mas eu estava semi-bêbado na ultra-matinê e só quando cheguei no prédio é que o meu carro morreu. Encontrei o pai com os olhos esbugalhados, a mexer no rádio do meu quarto.
- Que foi?
- Não sei, acordei com o barulho, tentei ligar a televisão e não consegui.
O rádio estava mudo. Ele saiu resmungando efoi tomar café. Tentei ouvir um CD do The Meters, sem sucesso, então decidi tomar um banho. A água do chuveiro estava quente e fedida. Saí do banho, o pai já tinha ido trabalhar, eu já estava na cozinha tomando café quando a porta abriu-se e ele entrou, suado.
- O carro não funciona, nem o elevador.
- Você está sentindo esse fedor?
- Que fedor?
- De baygon.
- Não. Vou chamar um táxi.
Tentou telefonar. A linha estava muda. O celular também não funcionava. Fomos para a janela. Um carro com alto falantes, puxado por uma parelha de bois, descia a rua vazia. "Dirijam-se imediatamente ao posto de saúde mais próximo para tomar suas pílulas de iodo". Saímos para a rua. Em todo o lugar havia pessoas desmaiadas. Nada que fosse elétrico funcionava. Os faróis piscavam sem parar. No posto de saúde tinha uma fila enorme. Estávamos cansados, a gente não tinha o costume de caminhar, sentamos na calçada e fiquei pensando num conto de Vidas Cegas, em que todo mundo começa a dormir, até lembrar de um episódio de Night Visions, quando um cara é internado no hospício ao dizer que controla a ordem das coisas em nossa dimensão. O psiquiatra acha que ele é maluco e dá uma dose de Dormonid. O mundo entra no caos, o psiquiatra tenta acordar o maluco, ele acorda sorrindo, aperta a mão do psiquiatra e diz: "o contrato agora é seu, doutor".
Chega a nossa vez. Me dão duas pílulas. Pergunto pra que servem. A enfermeira começa a rir da minha cara. As pessoas gritam no final da fila. Guardo as pílulas no bolso. Eu e o pai nos separamos. Ele volta pra casa, eu caminho pela rua, o cheiro de baygon dissipado e todas as plantas queimadas. Pássaros caem mortos do céu. Os cachorros coçam a barriga e perdem pêlos aos tufos. O céu parece vermelho. Tomo as pílulas.
De: "Lorde Byron"
Data: Tue, 9 Jul 2002 17:48:22 -0300 (ART)
Assunto: [kolunistas] acordei de um pesadelo
IRRADIAÇÃO
Pareceu um flash. Depois um fedor em toda a cidade, como veneno de matar baratas, mas eu estava semi-bêbado na ultra-matinê e só quando cheguei no prédio é que o meu carro morreu. Encontrei o pai com os olhos esbugalhados, a mexer no rádio do meu quarto.
- Que foi?
- Não sei, acordei com o barulho, tentei ligar a televisão e não consegui.
O rádio estava mudo. Ele saiu resmungando efoi tomar café. Tentei ouvir um CD do The Meters, sem sucesso, então decidi tomar um banho. A água do chuveiro estava quente e fedida. Saí do banho, o pai já tinha ido trabalhar, eu já estava na cozinha tomando café quando a porta abriu-se e ele entrou, suado.
- O carro não funciona, nem o elevador.
- Você está sentindo esse fedor?
- Que fedor?
- De baygon.
- Não. Vou chamar um táxi.
Tentou telefonar. A linha estava muda. O celular também não funcionava. Fomos para a janela. Um carro com alto falantes, puxado por uma parelha de bois, descia a rua vazia. "Dirijam-se imediatamente ao posto de saúde mais próximo para tomar suas pílulas de iodo". Saímos para a rua. Em todo o lugar havia pessoas desmaiadas. Nada que fosse elétrico funcionava. Os faróis piscavam sem parar. No posto de saúde tinha uma fila enorme. Estávamos cansados, a gente não tinha o costume de caminhar, sentamos na calçada e fiquei pensando num conto de Vidas Cegas, em que todo mundo começa a dormir, até lembrar de um episódio de Night Visions, quando um cara é internado no hospício ao dizer que controla a ordem das coisas em nossa dimensão. O psiquiatra acha que ele é maluco e dá uma dose de Dormonid. O mundo entra no caos, o psiquiatra tenta acordar o maluco, ele acorda sorrindo, aperta a mão do psiquiatra e diz: "o contrato agora é seu, doutor".
Chega a nossa vez. Me dão duas pílulas. Pergunto pra que servem. A enfermeira começa a rir da minha cara. As pessoas gritam no final da fila. Guardo as pílulas no bolso. Eu e o pai nos separamos. Ele volta pra casa, eu caminho pela rua, o cheiro de baygon dissipado e todas as plantas queimadas. Pássaros caem mortos do céu. Os cachorros coçam a barriga e perdem pêlos aos tufos. O céu parece vermelho. Tomo as pílulas.
28.6.06
NOTAS
DIDA - Belas defesas, uma milagrosa. - 9
CAFU - Seguro na defesa e eficiente no apoio. Pena que não sabe chutar a gol. - 6,5.
LÚCIO - Desta vez, o melhor da zaga, apesar de jogar no sacrifício. Excelente na defesa, jogou com raça a inda puxou o contra-ataque do segundo gol. - 8,5
JUAN - Apenas razoável, algumas vezes até violento - 6
ROBERTO CARLOS - Discreto na defesa. No segundo tempo, ainda tentou apoiar um pouco. Muito erro de passe e estrelismo. - 6
ÉMERSON - Jogou com raça, mas não protegeu bem a defesa. Parece inclusive não estar no esplendor da sua forma. - 5 (pelo esforço)
GILBERTO SILVA - Marca um pouco melhor que Émerson e distribui o jogo com mais eficiência. Parece mais inteiro fisicamente. TEM QUE SER MANTIDO NO TIME CONTRA A FRANÇA - 6,5
ZÉ ROBERTO - Executou bem sua função no meio e ainda fez o terceiro - 7
RONALDINHO - Errou uns 10 passes no primeiro tempo. Em alguns momentos (no primeiro tempo),pareceu alheio ao jogo, mais uma vez. Melhorou no segundo - 5
KAKÁ - Razoável. Esforço (inclusive na marcação) e belo passe para o primeiro gol. Errou muitos passes - 6
JUNINHO - No mesmo nível de Kaká, razoável - 6
RICARDINHO - O melhor do segundo tempo, mesmo tendo jogado só 12 minutos. Quatro belos lançamentos, inclusive o do terceiro gol - 8
ADRIANO - Fez um gol em impedimento, mas é muito fraco tecnicamente e emperra o time. Protagonizou um lance tosco cara-a-cara com o goleiro. Mostrou falta de humildade ao não aceitar a substituição. TEM QUE SER SUBSTITUÍDO POR ROBINHO - 3
RONALDO - Um golaço, ajudou o quanto pode até na marcação e fez mais umas três jogadas boas no jogo. Ele é mesmo o fenômeno, mesmo fora de forma - 8
PARREIRA - Fez o que podia sem Robinho. Do time que ele montou, de ridículo mesmo só o Adriano. Substituiu corretamente - 6
DIDA - Belas defesas, uma milagrosa. - 9
CAFU - Seguro na defesa e eficiente no apoio. Pena que não sabe chutar a gol. - 6,5.
LÚCIO - Desta vez, o melhor da zaga, apesar de jogar no sacrifício. Excelente na defesa, jogou com raça a inda puxou o contra-ataque do segundo gol. - 8,5
JUAN - Apenas razoável, algumas vezes até violento - 6
ROBERTO CARLOS - Discreto na defesa. No segundo tempo, ainda tentou apoiar um pouco. Muito erro de passe e estrelismo. - 6
ÉMERSON - Jogou com raça, mas não protegeu bem a defesa. Parece inclusive não estar no esplendor da sua forma. - 5 (pelo esforço)
GILBERTO SILVA - Marca um pouco melhor que Émerson e distribui o jogo com mais eficiência. Parece mais inteiro fisicamente. TEM QUE SER MANTIDO NO TIME CONTRA A FRANÇA - 6,5
ZÉ ROBERTO - Executou bem sua função no meio e ainda fez o terceiro - 7
RONALDINHO - Errou uns 10 passes no primeiro tempo. Em alguns momentos (no primeiro tempo),pareceu alheio ao jogo, mais uma vez. Melhorou no segundo - 5
KAKÁ - Razoável. Esforço (inclusive na marcação) e belo passe para o primeiro gol. Errou muitos passes - 6
JUNINHO - No mesmo nível de Kaká, razoável - 6
RICARDINHO - O melhor do segundo tempo, mesmo tendo jogado só 12 minutos. Quatro belos lançamentos, inclusive o do terceiro gol - 8
ADRIANO - Fez um gol em impedimento, mas é muito fraco tecnicamente e emperra o time. Protagonizou um lance tosco cara-a-cara com o goleiro. Mostrou falta de humildade ao não aceitar a substituição. TEM QUE SER SUBSTITUÍDO POR ROBINHO - 3
RONALDO - Um golaço, ajudou o quanto pode até na marcação e fez mais umas três jogadas boas no jogo. Ele é mesmo o fenômeno, mesmo fora de forma - 8
PARREIRA - Fez o que podia sem Robinho. Do time que ele montou, de ridículo mesmo só o Adriano. Substituiu corretamente - 6
Em Manaus
O evento oficial acabara cedo; insone, me vi especulando uma caminhada noturna solitária. O hotel, uma instituição oficial dos militares, não parecia muito convidativo. Em meu sangue, ainda circulava o álcool feliz do jantar oficial. Deixei o colega da grande mídia tentando dormir e ganhei a rua.
Assim que deixei o hotel, percebi que a base era uma coisa única, espalhando-se por uma área vasta de casas brancas e patrulhas militares. O ar pesava como seda úmida e grudava em meu rosto. Caminhei pela avenida dupla, vez ou outra abandonando a segurança relativa da iluminação pública para explorar transversais obscuras, mas sempre era repelido pelos cachorros ou pela mata. A cidade cravada na selva, como uma exibição triunfante da dominação humana sobre a natureza, ainda encontrava resistência; a selva fechava-se para mim assim que deixava o espaço urbano. Seus insetos deixam o ar impregnado com uma cantoria de exoesqueletos em êxtase. Suava muito, mas nunca temi por minha segurança. A cada cem metros, uma patrulha militar me cumprimentava respeitosamente. Nomes indígenas passavam rápido pela memória: Xambioá, Tefé, Kuarup.
De volta, a selva tornou-se mais densa com o acréscimo de uma fauna tipicamente urbana. Um psiu quebrou meus devaneios. Com a fronte sebosa com minha própria sudorese, percebi que uma indiazinha me convidada a um papo. O óbvio ululante não me comoveu. Aproximei-me.
- Você não quer um programa não?
Ela não parecia muito jovem, mas também não era velha. Senti seu nervosismo.
- Não tenho dinheiro. Desculpe – menti.
- Aí, quando vi você vindo na rua eu pensei, gosto de homem assim, alto – ainda tentou ela, apelando para suas táticas. Agradeci e neguei novamente. Ela resignou-se e a fronte acobreada, emoldurada no cabelo preto liso, enrugou-se num último pedido, quase doloroso, que apertou seus olhos oblíquos.
- Paga uma cerveja pra mim moço.
Fui até um posto de gasolina próximo e comprei duas latinhas de cerveja. Os frentistas e o segurança me olharam com um ar de reprovação e secreta compreensão, abafada pelos afazeres da vida. Entreguei a cerveja a ela, que logo sumiu numa rua lateral. Depois disso, algo quebrou-se e não consegui mais conversar com ela ou com suas colegas de olhar assustado. Puxei papo com um indivíduo que as acompanhava, mas ele não se mostrou amistoso. Sóbrio de realidade, voltei para o hotel. Deitei na cama estreita, flashes rápidos do dia movimentado passaram pela mente e percebi, finalmente, que eu tentara entrar numa selva nova, um tipo híbrido de pedra e verde, e apenas roçara a sua superfície viscosa, e viva.
Assim que deixei o hotel, percebi que a base era uma coisa única, espalhando-se por uma área vasta de casas brancas e patrulhas militares. O ar pesava como seda úmida e grudava em meu rosto. Caminhei pela avenida dupla, vez ou outra abandonando a segurança relativa da iluminação pública para explorar transversais obscuras, mas sempre era repelido pelos cachorros ou pela mata. A cidade cravada na selva, como uma exibição triunfante da dominação humana sobre a natureza, ainda encontrava resistência; a selva fechava-se para mim assim que deixava o espaço urbano. Seus insetos deixam o ar impregnado com uma cantoria de exoesqueletos em êxtase. Suava muito, mas nunca temi por minha segurança. A cada cem metros, uma patrulha militar me cumprimentava respeitosamente. Nomes indígenas passavam rápido pela memória: Xambioá, Tefé, Kuarup.
De volta, a selva tornou-se mais densa com o acréscimo de uma fauna tipicamente urbana. Um psiu quebrou meus devaneios. Com a fronte sebosa com minha própria sudorese, percebi que uma indiazinha me convidada a um papo. O óbvio ululante não me comoveu. Aproximei-me.
- Você não quer um programa não?
Ela não parecia muito jovem, mas também não era velha. Senti seu nervosismo.
- Não tenho dinheiro. Desculpe – menti.
- Aí, quando vi você vindo na rua eu pensei, gosto de homem assim, alto – ainda tentou ela, apelando para suas táticas. Agradeci e neguei novamente. Ela resignou-se e a fronte acobreada, emoldurada no cabelo preto liso, enrugou-se num último pedido, quase doloroso, que apertou seus olhos oblíquos.
- Paga uma cerveja pra mim moço.
Fui até um posto de gasolina próximo e comprei duas latinhas de cerveja. Os frentistas e o segurança me olharam com um ar de reprovação e secreta compreensão, abafada pelos afazeres da vida. Entreguei a cerveja a ela, que logo sumiu numa rua lateral. Depois disso, algo quebrou-se e não consegui mais conversar com ela ou com suas colegas de olhar assustado. Puxei papo com um indivíduo que as acompanhava, mas ele não se mostrou amistoso. Sóbrio de realidade, voltei para o hotel. Deitei na cama estreita, flashes rápidos do dia movimentado passaram pela mente e percebi, finalmente, que eu tentara entrar numa selva nova, um tipo híbrido de pedra e verde, e apenas roçara a sua superfície viscosa, e viva.
27.6.06
Estilo feio
Assim como o Brasil sempre ganha das pequenas seleções em Copas, a Itália sempre vence sem convencer, como ocorreu contra a Austrália, com um gol de pênalti duvidoso no último minuto. Por que a Itália, país das artes, belíssimo, de mulheres lindas, de carros bonitos, de roupas bonitas no design bonito, tem um estilo tão feio de jogar futebol?
Tostão
Assim como o Brasil sempre ganha das pequenas seleções em Copas, a Itália sempre vence sem convencer, como ocorreu contra a Austrália, com um gol de pênalti duvidoso no último minuto. Por que a Itália, país das artes, belíssimo, de mulheres lindas, de carros bonitos, de roupas bonitas no design bonito, tem um estilo tão feio de jogar futebol?
Tostão
25.6.06
23.6.06
NOTAS
DIDA - Sem culpa no gol. No mais, não foi exigido. 6
CICINHO - Ataca muito bem, defende mal. Poderia ter sido expulso. 6
JUAN - Segurança e técnica impecáveis. Fez jogada de ponte-de-lança no quarto gol. 8
LÚCIO - Falhou no gol, no mais não comprometeu. 6
GILBERTO - Seguro na defesa, desce para o ataque no momento oportuno. Fez lindo gol. 7
GILBERTO SILVA - Boa marcação e distribuição de jogo. Deveria ser mantido na equipe. 7
JUNINHO - Técnica e raça. Uma bela partida e um lindo gol. 8
KAKÁ - Se destacou menos, mas jogou para o time. 7
RONALDINHO - Bom toque de bola, lançamento primoroso para o terceiro gol, mas ainda pode render mais. 7
ROBINHO - Ótimo, tanto tática quanto individualmente. Se não virar titular, é um crime. 8,5
RONALDO - Fora de forma. Fez só umas três jogadas boas... ah, e os dois gols. 8,5
Senador
DIDA - Sem culpa no gol. No mais, não foi exigido. 6
CICINHO - Ataca muito bem, defende mal. Poderia ter sido expulso. 6
JUAN - Segurança e técnica impecáveis. Fez jogada de ponte-de-lança no quarto gol. 8
LÚCIO - Falhou no gol, no mais não comprometeu. 6
GILBERTO - Seguro na defesa, desce para o ataque no momento oportuno. Fez lindo gol. 7
GILBERTO SILVA - Boa marcação e distribuição de jogo. Deveria ser mantido na equipe. 7
JUNINHO - Técnica e raça. Uma bela partida e um lindo gol. 8
KAKÁ - Se destacou menos, mas jogou para o time. 7
RONALDINHO - Bom toque de bola, lançamento primoroso para o terceiro gol, mas ainda pode render mais. 7
ROBINHO - Ótimo, tanto tática quanto individualmente. Se não virar titular, é um crime. 8,5
RONALDO - Fora de forma. Fez só umas três jogadas boas... ah, e os dois gols. 8,5
Senador
14.6.06
13.6.06
9.6.06
flesh eaters autonomous
Deslizei pela avenida com gosto de excalibur, ouvindo som e encarando as pessoas, filmando as mulheres, a lua estava cheia então comi um hamburguer cru e tomei suco de laranja ácido, enquanto trabalhadores em happy-hour esperavam seu yaksoba, perto das grades de ventilação do metrô, em paralelo aos motoristas que impulsionavam seus veículos, à custa de muito combustível fóssil, em um engarrafamento entediante e perfeitamente rotineiro, às 18hoos, anoitecera mas meus olhos acostumaram-se rapidamente à meia-lux dos postes urbanóides avermelhados em meio ao frio. as farmácias vendem ritalina em grandes quantidades, a nação pinta-se de cores patrióticas para a guerra mundial de mentira e manda um abraço pro rivelino, tostão, garrincha e o kaiser franz beckenbauer. odeio pelé e zarqawi está sendo dissecado no necrotério da base Camp X-Ray, em Guantánamo. babe, se você soubesse.
Lorde Byron
Lorde Byron
O TIME DE TODAS AS COPAS
Dizem que onde goleiro pisa, não nasce grama. Pois o goleiro deve ser alguém atormentado, no limiar entre o trágico e o desespero, e não há melhor goleiro no mundo do que Fernando Pessoa.
Os laterais devem ser versáteis para atacar e defender, cruzar e evitar cruzamentos em sua área. Na lateral direita, o poeta, cronista, jornalista e funcionário público Carlos Drummond e, na esquerda, o poeta, ensaísta e prosador Charles Baudelaire.
Na zaga, uma questão filosófica: zagueiros devem ser argentinos, sempre. Cortázar e Borges não formam uma dupla FANTÁSTICA?
Os volantes devem ser imponentes e marcadores, mas também precisos no passe. O primeiro volante é Graciliano Ramos, com seu jogo milimétrico, eficaz e refinado, porém sem firulas. O camisa 8, Machado de Assis, segue mais ou menos a mesma linha, mas brinda o torcedor, por vezes, com toques surpreendentes e geniais, desconcertando os adversários.
Os meias de ligação, responsáveis pela criatividade do time, são Herberto Helder (10) e Dylan Thomas (11). O que os dois jogam juntos é uma covardia, e o estilo de jogo deles se complementa de uma forma jamais vista. Com eles, basta você piscar os olhos que poderá perder a jogada mais espetacular de todos os tempos.
A dupla de ataque é formada por magos. O ponta direita T. S. Eliot hipnotiza os zagueiros adversários com a musicalidade do seu jogo, enquanto que o centroavante Guimarães Rosa deixa-os boquiabertos com as veredas dos seus dribles, tendo só o trabalho de empurrar a bola, mansamente, para as redes.
Esse time ganhou a Copa antes da copa existir, ganharia a Copa mesmo se ela não existisse.
André Setti
Dizem que onde goleiro pisa, não nasce grama. Pois o goleiro deve ser alguém atormentado, no limiar entre o trágico e o desespero, e não há melhor goleiro no mundo do que Fernando Pessoa.
Os laterais devem ser versáteis para atacar e defender, cruzar e evitar cruzamentos em sua área. Na lateral direita, o poeta, cronista, jornalista e funcionário público Carlos Drummond e, na esquerda, o poeta, ensaísta e prosador Charles Baudelaire.
Na zaga, uma questão filosófica: zagueiros devem ser argentinos, sempre. Cortázar e Borges não formam uma dupla FANTÁSTICA?
Os volantes devem ser imponentes e marcadores, mas também precisos no passe. O primeiro volante é Graciliano Ramos, com seu jogo milimétrico, eficaz e refinado, porém sem firulas. O camisa 8, Machado de Assis, segue mais ou menos a mesma linha, mas brinda o torcedor, por vezes, com toques surpreendentes e geniais, desconcertando os adversários.
Os meias de ligação, responsáveis pela criatividade do time, são Herberto Helder (10) e Dylan Thomas (11). O que os dois jogam juntos é uma covardia, e o estilo de jogo deles se complementa de uma forma jamais vista. Com eles, basta você piscar os olhos que poderá perder a jogada mais espetacular de todos os tempos.
A dupla de ataque é formada por magos. O ponta direita T. S. Eliot hipnotiza os zagueiros adversários com a musicalidade do seu jogo, enquanto que o centroavante Guimarães Rosa deixa-os boquiabertos com as veredas dos seus dribles, tendo só o trabalho de empurrar a bola, mansamente, para as redes.
Esse time ganhou a Copa antes da copa existir, ganharia a Copa mesmo se ela não existisse.
André Setti
este ano o brasil vai à copa do mundo em busca de seu terceiro título inédito na história do futebol, o hexacampeonato, que, tendo nossa seleção vitória na disputa, será o primeiro de todos os tempos, como foram pioneiras as conquistas do tetra (1994) e do penta (2002). a excelência do futebol brasileiro já tinha sido provada nas épicas campanhas de 1958, 1962, 1970, momentos-chave na construção da identidade nacional. apenas para comparação, vale lembrar que, até agora, o tricampeonato só foi conquistado por dois outros países, e, ainda assim, depois que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) obteve a posse definitiva da taça Jules Rimet: Alemanha (1954, 1974, 1990) e Itália (1934, 1938, 1982). portanto, com os títulos conquistados no méxico, nos estados unidos e na copa realizada simultaneamente no japão e na coréia do sul, o brasil se elevou gradualmente a um patamar futebolístico único e indiscutível, que seria reforçado por um eventual hexa.
(...)
enchi o saco. CONTINUEM O TXT
8.6.06
"[os membros da banda inglesa sigue sigue sputnik] também chocavam ao se definirem como a "Quinta Geração do Rock´n´Roll" (sem tocar nada), venderam os espaços entre as faixas do álbum para publicidade, colocando jingles futuristas para marcas ícones dos 80 como a L'Oreal, as revistas I-D e Tempo, a loja Pure England Sex, além de anúncios estampados na capa do album de estréia, "Flaunt it" (ninguém mais fez isso desde então!)."
é isso, senhores. temos que fazer algo parecido com nossos livros.
é isso, senhores. temos que fazer algo parecido com nossos livros.
4:43 DA MADRUGA
Eu chegando do trampo agora, com vinte horas de trampo direto, pepsi e café na veia. Nenhum filho da puta no msn (então escrevo palavras anônimas neste blog indescoberto).
Olho as paredes do meu quarto e elas são quase as paredes de uma agência. A música que ouço, minha mesa e meu despertador são letras escritas erradas. Parece que as letras teimam em permanecer erradas.
Passarei esta noite sozinho, pensando na teimosia das letras e na madrugada das marés.
Senador
Eu chegando do trampo agora, com vinte horas de trampo direto, pepsi e café na veia. Nenhum filho da puta no msn (então escrevo palavras anônimas neste blog indescoberto).
Olho as paredes do meu quarto e elas são quase as paredes de uma agência. A música que ouço, minha mesa e meu despertador são letras escritas erradas. Parece que as letras teimam em permanecer erradas.
Passarei esta noite sozinho, pensando na teimosia das letras e na madrugada das marés.
Senador
2.6.06
28.5.06
Gênesis
Era noite de natal e as famílias sempre zelam pelo compromisso de se reunirem nessas datas. Aquela algazarra toda. Parentes que se adoram e se abraçam numa demonstração de puro afeto; outros, apenas por cordialidade se cumprimentam.
Criança de roupa de cor amarela. Um conjuntinho um tanto cafona, com babados na altura do pescoço. Cheiro de empadão na cozinha. Peru na mesa e apito derretido no cú inchado da ave.
Ânsia curiosa infantil pelos presentes embrulhados no papel de cor vermelha. Será que os pais seriam mais generosos aquele ano? Corresponderiam à expectativa?
Ainda que fossem uma família sem lastro, respeitavam o horário indigesto de meia-noite para a ceia. Depois, era iniciada a entrega dos presentes.
E aos poucos, a sala ia ficando vazia, assim como a mesa. Alguns passavam pelo corredor com uma expressão estranha no rosto e uma tapaware nas mãos.
De volta à casa. Colchão fino no assoalho de mogno vermelho. Porta aberta à ventilação obrigatória em época de chuva.
Barulhos repetitivos e insistentes eram um empecilho ao sono leve de menina assustada.
Curiosidade latente. Levantar ou não?
Preguiça naquele corpo pequeno envolto pelo pijama flanelado e macio. Posto o corpo erguido, seguiu com exatidão o som que se propagava sem pedir licença naquela noite.
Olhou no escuro e não viu nada.
Até que, num golpe certeiro, alcançou o interruptor elétrico e a claridade trouxe aos seus olhos a imagem da mãe nua montada no pai também sem roupa. Corpos agarrados e olhos velados em movimentos de ida e vinda.
Galopes interrompidos pela constatação do semblante de espanto da garotinha que foi rápida e desligou a luz.
Retornou, então, ao quarto em frente. Pensou: é este o princípio do mundo? Depois, enfiou os dedos pelo pijama e começou a se bulinar excitada.
Pseudônimo a ser definido
Era noite de natal e as famílias sempre zelam pelo compromisso de se reunirem nessas datas. Aquela algazarra toda. Parentes que se adoram e se abraçam numa demonstração de puro afeto; outros, apenas por cordialidade se cumprimentam.
Criança de roupa de cor amarela. Um conjuntinho um tanto cafona, com babados na altura do pescoço. Cheiro de empadão na cozinha. Peru na mesa e apito derretido no cú inchado da ave.
Ânsia curiosa infantil pelos presentes embrulhados no papel de cor vermelha. Será que os pais seriam mais generosos aquele ano? Corresponderiam à expectativa?
Ainda que fossem uma família sem lastro, respeitavam o horário indigesto de meia-noite para a ceia. Depois, era iniciada a entrega dos presentes.
E aos poucos, a sala ia ficando vazia, assim como a mesa. Alguns passavam pelo corredor com uma expressão estranha no rosto e uma tapaware nas mãos.
De volta à casa. Colchão fino no assoalho de mogno vermelho. Porta aberta à ventilação obrigatória em época de chuva.
Barulhos repetitivos e insistentes eram um empecilho ao sono leve de menina assustada.
Curiosidade latente. Levantar ou não?
Preguiça naquele corpo pequeno envolto pelo pijama flanelado e macio. Posto o corpo erguido, seguiu com exatidão o som que se propagava sem pedir licença naquela noite.
Olhou no escuro e não viu nada.
Até que, num golpe certeiro, alcançou o interruptor elétrico e a claridade trouxe aos seus olhos a imagem da mãe nua montada no pai também sem roupa. Corpos agarrados e olhos velados em movimentos de ida e vinda.
Galopes interrompidos pela constatação do semblante de espanto da garotinha que foi rápida e desligou a luz.
Retornou, então, ao quarto em frente. Pensou: é este o princípio do mundo? Depois, enfiou os dedos pelo pijama e começou a se bulinar excitada.
Pseudônimo a ser definido
25.5.06
ADIANTAMENTOS
O manuscrito Voynich
I
- Tome o livro, segure-o em suas mãos. Sinta a capa macia. Não se incomode com o cheiro - Em seu leito de morte, Voynich me encarava com a face chupada pela doença, enquanto eu folheava o manuscrito quinhentista.
- Comprei do Colégio Romano, em 1912. Uma pechincha, os padres estavam precisando de dinheiro. Descobri que um dos primeiros donos foi um alquimista chamado Georg Baresch. Intrigado pela estranha linguagem cifrada, em 1639 ele enviou uma cópia para o estudioso jesuita Athanasius Kircher, no Colégio Romano, que acabava de publicar um dicionário de copta, um idioma etíope. Com a morte de Baresch, um amigo repassou o livro para Kircher, em 1666. Esta última carta, recentemente localizada, é a única prova da existência do livro. Durante os próximos 200 anos, o livro sem nome mofou nos arquivos do Colégio Romano, até que o Rei Victor Emmanuel II, da Itália, resolveu confiscar as propriedades da igreja. Por causa disso, muitos livros da raríssima biblioteca do Colégio foram escamoteados pelo zelo dos acadêmicos religiosos. Mesmo assim, o livro acabou em minha posse. Tentei decifrar sua linguagem, cheguei até a pensar que fosse uma farsa.. - sua tosse atarantada interrompeu o relato. Ofereci água. Do lado de fora, podiam-se ouvir os canhões nazistas bombardeando a Cracóvia.
- A carta de 1666 para Kircher alegava que o livro pertenceu ao rei Rudolfo II da Boêmia, em algum período entre 1552 e 1612. Rudolfo adorava assultos ocultos e o vendedor garantiu-lhe que o livro era uma obra secreta do frei franciscano britânico Roger Bacon. O mais provável é que seja uma obra de John Dee ou Edward Kelley, que juravam ter a capacidade de comunicar-se com anjos.
Tateei as ilustrações ásperas do livro. Plantas, estranhos mecanismos com fetos ligados a tubos, diagramas similares a galáxias. Em todas as páginas, a escrita misteriosa.
- Muitos tentaram decifrá-lo. Dizem que a linguagem é coerente com um idioma real. A coincidência de letras e estruturas é similar à estrutura morfológica padrão. Você, cuide dele. Decifre-o. Ontem, descobri a chave, estava escondida dentro da capa. Eu... - Com um último sopro, Voynich baixou a cabeça e morreu, empalidecendo imediatamente.
II
Na casa ao lado, uma mulher soltou um grito de pânico. Os primeiros tanques Panzer invadiam a cidade. Aproveitei uma distração da viúva, embalei o livro numa capanga de couro e fugi para a Dinamarca. Em cinco dias, cheguei a Copenhague. Entre um tedioso ponto de checagem nazista e o próximo, folheei furtivamente mais algumas páginas.
Conheci Voynich em 1922, quando ele já era um famoso colecionador de livros antigos. Fui contratada para limpar a casa e manter a umidade sob controle. Com o tempo, fui lendo um ou outro caderno. O Velho Voynich percebeu isso e incentivou meus estudos. Da garota pobre dos subúrbios da Cracóvia, transmutei-me, em quatro anos, numa conhecedora de livros antigos, assistente de Voynich. Sua esposa me odiava. Mas eu estava envolvida mesmo era com um açougueiro judeu, e seus mimos extraordinários naqueles tempos difíceis: peças de filé e alcatra. Uma noite, me entreguei a ele no açougue fechado, com o cheiro de sangue coagulado penetrando nas narinas e a sensação oleosa no balcão. Depois disso, a ameaça nazista e a doença de Voynich espantaram o açougueiro para a América. Voynich apegou-se ao livro e passou os últimos dias estudando sua criptografia.
A guerra poderia demorar uma vida inteira. Quem iria comprar um livro como aquele? Suspeito que a mulher de Voynich só permitiu minha fuga, mesmo sabendo que eu levava o manuscrito, por considerar a obra uma farsa inútil. Quando vi as luzes de Copenhague iluminando o céu noturno, lembrei-me de uma amiga abastada, para o abrigo inevitável, e apalpei o passaporte polonês, onde se lia: “Ileva Krenica, 26 anos”.
III
A guerra passou: do lado de fora, a reconquista soviética repercutia como uma vibração suave no andamento das coisas. Decifrei a primeira parte do livro. As ilustrações toscas e proféticas lembravam o herbário que um charlatão mostraria aos seus crédulos clientes, provando algum tipo de conhecimento mágico sobre os mistérios da natureza, alguém como o britânico Edward Kelley, nascido em1555. Ele começou a carreira prometendo transformar cobre em ouro, misturando um pó mágico oriundo de uma caverna. Aos 27 anos, apresentou-se ao respeitado astrônomo Jonh Dee, conselheiro da corte de Elizabete I, e demonstrou a impressionante capacidade de comunicação angelical. Os dois juntaram forças. Kelley ofereceu serviços ao rei Rudolfo II e outros nobres da Boêmia.
Certa noite, já um homem rico, Kelley comunicou a Dee a última ordem dos anjos: os dois deveriam assumir uma comunhão completa; dividiriam até suas mulheres. Angustiado, Dee concordou em oferecer a bela esposa a Kelley, mas, pouco depois, voltou para as ilhas britânicas. O alquimista continuou tentando transformar cobre em ouro, mas o rei Rudolfo ordenou a sua prisão no castelo Krivoklát. Três anos depois, Kelley aceitou cooperar e foi libertado, mas fracassou novamente na conversão. Rudolfo então o mandou ao castelo de Hnevín, onde ele morreu tentando escapar, em 1597.
Ao decifrar a primeira frase do livro, minhas pernas enfraqueceram e fui obrigada a deitar. "A leitura desta obra provoca danos em diferentes dimensões. A posse inócua não causará danos, mas a verdadeira chave abrirá seus poderes”, começava o manuscrito. As paredes do quarto começaram a derreter. Era 1946; as pessoas comemoravam nas ruas o final da guerra. Minha mão ficou translúcida. Senti a visão escurecer; lancei o livro no fogo mas nunca acordei para ver as suas cinzas; estranhamente, retomei a consciência em um castelo medieval. Embora não compreenda a língua dos carcereiros, este deslocamento absurdo não é o que mais me preocupa; subitamente, tornei-me um homem, e os guardas insistem em gritar "Kielov" toda vez que entregam alguma comida.
*O manuscrito Voynich atualmente encontra-se na Biblioteca Beinecke de Livros Raros, na Universidade de Yale (EUA).
---------------------------------------------------------------------------
A nova juventude
Falei pra Marcinha não ficar se metendo na minha vida, mas ela insistiu tanto que contei um pouco do que se passava no meu MSN. Marcinha é minha professora de banca de português e a gente geralmente troca umas idéias depois da aula. Contei que conheci a gótica num show de heavy-metal no Ideário, depois que ela ficou me olhando. Parecia muito branca, depois descobri que espalhava litros de protetor solar na pele para obter este efeito. A gótica usava as roupinhas padrão de uma fã de Pitty: coturnos, saia quadriculada e camisa preta.
Parti pra cima e travei conversa com ela. Ofereci uma cerveja. Descobri que ela tem 16 anos e estuda no São Bonifácio. Levei a gótica até o ponto de ônibus e anotei o seu e-mail. No outro dia, teclamos uns papos muito doidos no MSN. Ela confessou que não era mais donzela e me convidou para uma visita quando sua família estivesse viajando.
No dia marcado, à noite, cheguei ao apartamento dela, na Barra, e fui recebido pelo brilho das velas pretas espalhadas pelo chão, com cheiro de parafina, e a porta do apartamento entreaberta. Na sala, DVD, TV, microsystem e umas pinturas bregas, daquelas que você compra na rua, ao lado das miçangas e bibelôs pendurados nas paredes. Nos porta-retratos só tinha a foto dela com a mãe; seus pais deviam ser separados. Explorei os cômodos e encontrei a gótica deitada, enrolada numa colcha do Megadeth. Ela jogou os panos para cima e fiquei admirando seu corpo com a visão alerta, enquanto tirava a minha roupa. Na hora da ação, estranhei porque ela ficava insistindo para a gente adotar certas poses ou virar de lado.
No outro dia, ela mandou para mim um vídeo gravado no quarto pela webcam do computador. No começo até gostei, mas depois fiquei pensando o que a galera do colégio ia pensar de mim. Na dúvida entre orgulho e humilhação, parei de responder aos pedidos de "quer TC?" dela. Isso faz uns quinze dias. Ontem, um amigo me avisou que tinha achado o vídeo na Internet.
Quando terminei de contar a história, Marcinha ficou olhando para mim com uma expressão estranha. Ela tinha a cara cheia de espinhas, embora contasse mais de 30 anos, mas ainda estava com um corpo enxuto, desejável. Levantou-se e começou a tirar a roupa.
- Professora!
- Fica quieto. Deixa que eu resolvo. Agora, se você não fizer o que eu mandar, conto tudo para a sua mãe. - Fiquei com ódio, mas gostei quando fomos para o quarto e elacomeçou a me massagear. Será que Marcinha também é gótica?
textos da coluna Ficções (A TARDE, CADERNO DEZ!), de Patrick Brock
22.5.06
21.5.06
18.5.06
11.5.06
"não consigo compreender de que maneira essas ações podem corresponder aos (...) ensinamentos de Jesus Cristo, aos direitos humanos e aos valores liberais."
clique aí e leia uma tradução da íntegra da carta de Ahmadinejad a Bush
clique aí e leia uma tradução da íntegra da carta de Ahmadinejad a Bush
Que São Paulo recebe diariamente belas pinturas e novas cores sobre o cinza, doados caridosamente por grafiteiros da mais alta qualidade, é muito fácil perceber. Mínimas incursões pelas avenidas poluídas e congestionadas já nos mostram isso.
E agora a Choque Cultural tá expondo fotos de alguns exemplares na estação clínicas.
Passei por lá ontem e foi uma bela surpresa.
E agora a Choque Cultural tá expondo fotos de alguns exemplares na estação clínicas.
Passei por lá ontem e foi uma bela surpresa.
8.5.06
7.5.06
Negociação
-Bom?
-Autorizo você cortar as minhas mãos e usá-las quando quiser.
- Hãim.
-Quanto você cobra por isso?
-Vou calcularr a TR diária, o IGPM e depoiss, te digooo.
-Tô sentindo.. um arrepio subir pelas costas.
-Quanto você cobra por isso?
-Ai, eu acho que tôooo..
-A hora é essa. Quanto você cobra por isso?
-Desabou e sussurou: amor.
-Bom?
-Autorizo você cortar as minhas mãos e usá-las quando quiser.
- Hãim.
-Quanto você cobra por isso?
-Vou calcularr a TR diária, o IGPM e depoiss, te digooo.
-Tô sentindo.. um arrepio subir pelas costas.
-Quanto você cobra por isso?
-Ai, eu acho que tôooo..
-A hora é essa. Quanto você cobra por isso?
-Desabou e sussurou: amor.
3.5.06
2.5.06
Já disse Yeats: "The best lack all conviction, while the worst are full of passionate intensity"
Tô mal humurado mesmo. Não devia, mas me supreendo com o nível de estupidez que consegue atingir a dita "classe artística contemporânea". A mediocridade cansa... pior do que isso, deprime. Os boçais se acham gênios, se levam a sério DEMAIS, enfim... toda essa coisa pop/hyper-visualidade/simultaneidade/pós moderna "tá tudo dominado", essa merda toda, etc...
Post Direto de um cybercafé de Tocantins, decorado com baços boçais de artistas confortavelmente mortos, caricaturais.
Diretoria, delete este post se quiser.
Tô mal humurado mesmo. Não devia, mas me supreendo com o nível de estupidez que consegue atingir a dita "classe artística contemporânea". A mediocridade cansa... pior do que isso, deprime. Os boçais se acham gênios, se levam a sério DEMAIS, enfim... toda essa coisa pop/hyper-visualidade/simultaneidade/pós moderna "tá tudo dominado", essa merda toda, etc...
Post Direto de um cybercafé de Tocantins, decorado com baços boçais de artistas confortavelmente mortos, caricaturais.
Diretoria, delete este post se quiser.
29.4.06
azitromicina
a febre vai e volta - um ciclo intermitente de frio, calor e suor. um gosto ruim na boca. enquanto isso, estudantes protestam nas ruas. meu cronograma está atrasado. senador, bolla, onde é que vocês estão?
Lord Byron
Lord Byron
28.4.06
27.4.06
NOTA 10 PRO TEVEZ. DOIS GOLS, (O PRIMEIRO, GOLAÇO), MUITO TALENTO, MUITA GARRA E UM PASSE LINDO PRO COELHO CHUTAR NA TRAVE
MAS NÃO VAI DAR, PORQUE:
1 - O JUIZ ROUBOU MUITO (UM GOL MAL ANULADO, O CARA QUE FEZ O SEGUNDO GOL DELES DEVIA TER SIDO EXPULSO E FOI RIDÍCULA A EXPULSÃO DO MASCHERANO, QUE NEM FALTA FEZ). PROVAVELMENTE, O JUIZ TAMBÉM VAI ROUBAR (SÓ QUE MENOS, EM UM LANCE CHAVE) NO PACAEMBU.
A ARGENTINA SÓ GANHA ROUBADO, E ISSO VAI ACONTECER MAIS UMA VEZ.
2 - TÉCNICO OMISSO E INGÊNUO. NÃO SOUBE MEXER NO TIME. O QUE ELE FEZ AOS 42 DEVIA TER FEITO NO INTERVALO. DEVIA TER POUPADO O TIME NO BRASILEIRO.
3 - COELHO NÃO DEFENDE NEM ATACA. NÃO TEM RESPONSABILIDADE TÁTICA, ACHA QUE JOGA MUITO MAIS DO QUE JOGA. É EGOISTA.
4 - RICARDINHO NÃO DÁ. PÁRA DEMAIS O JOGO, NÃO TÁ PRODUZINDO NADA, PERDE DEMAIS A BOLA...
PARA O CORINTHAINS TER CHANCE, TERIA QUE:
1 - POUPAR O TIME INTEIRO NO BRASILERO.
2 - COLOCAR EDUARDO RATINHO DE LATERAL E ROGER DE ARMADOR (NO LUGAR DO RICARDINHO)
3 - NÃO TER JOGADOR EXPULSO BESTAMENTE.
4 - O JUIZ NÃO ROUBAR!
MAS TERIA QUE ACONTECER ESSAS QUATRO COISAS, POR ISSO ACHO MUITO DIFÍCIL.
SENADOR
MAS NÃO VAI DAR, PORQUE:
1 - O JUIZ ROUBOU MUITO (UM GOL MAL ANULADO, O CARA QUE FEZ O SEGUNDO GOL DELES DEVIA TER SIDO EXPULSO E FOI RIDÍCULA A EXPULSÃO DO MASCHERANO, QUE NEM FALTA FEZ). PROVAVELMENTE, O JUIZ TAMBÉM VAI ROUBAR (SÓ QUE MENOS, EM UM LANCE CHAVE) NO PACAEMBU.
A ARGENTINA SÓ GANHA ROUBADO, E ISSO VAI ACONTECER MAIS UMA VEZ.
2 - TÉCNICO OMISSO E INGÊNUO. NÃO SOUBE MEXER NO TIME. O QUE ELE FEZ AOS 42 DEVIA TER FEITO NO INTERVALO. DEVIA TER POUPADO O TIME NO BRASILEIRO.
3 - COELHO NÃO DEFENDE NEM ATACA. NÃO TEM RESPONSABILIDADE TÁTICA, ACHA QUE JOGA MUITO MAIS DO QUE JOGA. É EGOISTA.
4 - RICARDINHO NÃO DÁ. PÁRA DEMAIS O JOGO, NÃO TÁ PRODUZINDO NADA, PERDE DEMAIS A BOLA...
PARA O CORINTHAINS TER CHANCE, TERIA QUE:
1 - POUPAR O TIME INTEIRO NO BRASILERO.
2 - COLOCAR EDUARDO RATINHO DE LATERAL E ROGER DE ARMADOR (NO LUGAR DO RICARDINHO)
3 - NÃO TER JOGADOR EXPULSO BESTAMENTE.
4 - O JUIZ NÃO ROUBAR!
MAS TERIA QUE ACONTECER ESSAS QUATRO COISAS, POR ISSO ACHO MUITO DIFÍCIL.
SENADOR
26.4.06
25/04/2006 - 20h25
PSDB usa slogan de FHC para alavancar Alckmin em propaganda da TV
Da Redação
Em São Paulo
"Gente em primeiro lugar". O slogan, usado nas campanhas eleitorais de Fernando Henrique Cardoso à Presidência em 1994 e 1998, voltou a ser entoado pelo PSDB na propaganda partidária. Num tom enérgico, o pré-candidato Geraldo Alckmin criticou o governo federal e enumerou ações das gestões tucanas nos Estados após repetir a frase. As peças publicitárias foram apresentadas nos intervalos dos programas da TV aberta nesta terça-feira (25/04).
O SLOGAN CERTO NÃO SERIA "A GENTE EM PRIMEIRO LUGAR"?
PSDB usa slogan de FHC para alavancar Alckmin em propaganda da TV
Da Redação
Em São Paulo
"Gente em primeiro lugar". O slogan, usado nas campanhas eleitorais de Fernando Henrique Cardoso à Presidência em 1994 e 1998, voltou a ser entoado pelo PSDB na propaganda partidária. Num tom enérgico, o pré-candidato Geraldo Alckmin criticou o governo federal e enumerou ações das gestões tucanas nos Estados após repetir a frase. As peças publicitárias foram apresentadas nos intervalos dos programas da TV aberta nesta terça-feira (25/04).
O SLOGAN CERTO NÃO SERIA "A GENTE EM PRIMEIRO LUGAR"?
24.4.06
COMENDO CANHAMO
A transação completa durou quase duas semanas. Quando finalmente chegou e fomos buscá-la, chovia muito e as ruas alagaram. A substância in natura estava compactada em um pequeno tijolo e sua cor era marrom; quando provada, deixava um gosto oleoso; mas só ao chegar em casa, descobri que era mesmo gordura de sonho. Desde então, não consegui mais dormir. Já são três dias.
Lord Byron
Lord Byron
21.4.06
P = Qual o sentimento ou estado de ânimo que mais o inspira?
FELLINI = A tentativa de agarrar, escutar um discurso que de uma vez para outra se foi fazendo em voz mais e mais baixa, até não se conseguir dizer. É como essa sensação aí, de alcançar um fio que me escapou da mão; estou sendo um pouquinho lírico, mas para tentar captar a definição exata; o estímulo que me prende a meu modo de exprimir acho que é esse: prestar atenção e emprestar o coração ao que quase já foi esquecido.
(depoimento no documentário "Um auto-retrato")
FELLINI = A tentativa de agarrar, escutar um discurso que de uma vez para outra se foi fazendo em voz mais e mais baixa, até não se conseguir dizer. É como essa sensação aí, de alcançar um fio que me escapou da mão; estou sendo um pouquinho lírico, mas para tentar captar a definição exata; o estímulo que me prende a meu modo de exprimir acho que é esse: prestar atenção e emprestar o coração ao que quase já foi esquecido.
(depoimento no documentário "Um auto-retrato")
18.4.06
MORREU ATROPELADA
uma vaca vesga vinda de salvador.
ao que dizem, fugida. novos depoimentos serão tomados.
cruzamentos caóticos de cidade grande, também perigosos para animais. (ainda que não se produzam tantos ebós).
ao que dizem, fugida. novos depoimentos serão tomados.
cruzamentos caóticos de cidade grande, também perigosos para animais. (ainda que não se produzam tantos ebós).
14.4.06
Agonia e fé no calvário do Monte Santo
Agonia e fé no calvário do Monte Santo
Romaria existente há mais de 200 anos continua, mas está menos fervorosa e com a estrutura descuidada
PATRICK BROCK
ENVIADO ESPECIAL
“Monte Santo é um lugar lendário”
Euclides da Cunha, Os Sertões
MONTE SANTO – Os romeiros chegam em ondas de fé, prontos para o calvário de 3 km de extensão e 500 metros de altitude. Alguns enfrentam as pedras com os pés descalços, para ampliar o sofrimento. No alto, o pináculo do fanatismo cristão sertanejo, um local místico, ao qual se atribuem milagres e graças alcançadas. O burburinho de vozes, fogos de artifício e vendedores de água contrasta com a pureza bicentenária da igreja de Nossa Senhora das Dores. Ao chegar no cume da montanha, arrasado pela altitude e os pedregulhos traiçoeiros da escalada penosa, o penitente perde-se num misto de êxtase religioso e auto-imolação que inspirou o próprio Antônio Conselheiro, quando este formou seus dogmas sacrificantes e proféticos, responsáveis por atrair milhares de seguidores fanáticos.
Em nome da fé que paga as promessas e busca milagres, milhares de romeiros vem de povoados e cidades próximas, e até de outros estados, para subir o Monte Santo, numa tradição que se renova com os jovens e é mantida por senhores idosos, risonhos da vida enquanto galgam a via sacra do sertão. O movimento começa à meia-noite da sexta-feira da Paixão e vai aumentando até atingir o ápice às 6 horas da manhã. Romeiros em pleno fervor religioso e jovens barulhentos misturam-se – o objetivo é purgar os pecados com a escalada extenuante.
Neste momento são 3h30 da manhã e os primeiros ônibus chegam à praça principal de Monte Santo (300 km de Salvador).
- O caminho de Deus é o caminho da dor - diz a lavradora Maria do Carmo, 48 anos, do povoado de Mandacaru. Maria vem ao Monte Santo todos anos e já chega cantando, com a voz ressecada de sertaneja. Sua reza é de uma melancolia quase feliz e ela lança sua harmonia antes de acender um cigarro de palha:
“Quem foi que nasceu
Na noite de Natal?
Menino Jesus,
Para nos salvar
Bendita seja
A novena meu Deus
Menino Jesus
Na Lapa nasceu”
Na entrada do caminho sagrado, os grupos vão aumentando em tamanho e freqüência. No sopé, preparam-se para a escalada o moto-taxista Vildemário Silva dos Santos, 30 anos, nascido e criado em Monte Santo. Depois de uma década de ausência, ele voltou para escalar o monte, porque “é sagrado”. Há pureza em sua voz.
- Vim agradecer a Deus por estar vivo e trouxe meu amigo e irmão aqui - Ao seu lado, o artesão de 37 anos Roberval Lima Gonçalves, feição séria e olhar descansado. Ele vai pagar promessa, acendendo uma vela para Nossa Senhora quando chegar ao cume.
- Estive muito doente, com problema de depressão, e hoje eu agradeço muito a Deus por estar aqui - e os dois partem em disparada, Vildemário a incentivar Roberval. Depois chega Luciano da Silva, 17 anos, morador de Monte Santo, acostumado a enfrentar o caminho desde os sete anos.
- Tem gente que sobe aí pra bagunçar, quebraram os santos lá em cima, isso acaba um pouco com a história. Esse ano eu vou subir só pela tradição mesmo. Mas teve um ano que subi porque um tio meu estava preso, fiz a promessa pra ele ser libertado.
Na praça, em frente à igreja de Monte Santo, os vinte remanescentes da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Santa Cruz preparam-se para subir. Usam uma espécie de manto roxo, parecido com um hábito dos capuchinhos – a romaria foi iniciado por um frei capuchinho, Apolônio de Todi, em 1775. Dois deles levam cajados com lanternas e um terceiro, no centro, empunha a Santa Cruz. São cerca de 20 devotos, idosos na maioria. Um deles, de torso anormal e olhar compenetrado, bate a “matraca”, um tipo de reco-reco destinado a anunciar o início oficial da romaria.
- Louvemos a Santa Cruz.... – entoam os integrantes da irmandade, enquanto a matraca soa atrevida: “tleco-tleco-tleco-tleco...”. Começa a subida dos Irmãos. A fila engrossa e uma multidão segue a Irmandade. A primeira etapa é a pior: o ângulo de 20 graus cala os Irmãos. Alguns deles ficam para trás, ofegantes, um irmão idoso atrasa a procissão. Na quarta capela (de um total de 25), breve parada. A segunda etapa segue-se mais tranqüila na planura relativa do terreno. A Irmandade segue em ritmo acelerado e os primeiros raios de luz aparecem no céu.
A última etapa é dolorida e muitos ficam pelo caminho. Já se vê a cidade lá embaixo, diminuída, a igreja matriz agora parece caber na ponta de um dedo. Ao chegarem no topo, um santuário recebe os romeiros de portas abertas, mas muitos contornam a igreja branca como se fossem muçulmanos em volta da pedra sagrada em Meca. Alguns acendem velas, os recibos de promessas cumpridas, enquanto outros juntam a cera derretida em novelos presos a barbantes, como uma pescaria de sebo.
- A romaria antes era mais forte. Todo mundo rodando a igreja, e rezando - diz o aposentado Valter Martins dos Santos, 75 anos, natural de Monte Santo e residente em Camaçari. No lado esquerdo da nave, na capela cumeeira, dois diplomas do mesmo indivíduo: um de 1968, de um curso para vigilantes noturnos em São Paulo, e outro de 1984, certificando o proprietário como detetive profissional. Entre os dois, algumas linhas de envelhecimento no rosto da foto e o olhar mais cansado. Mudos testemunhos de graças alcançadas, os diplomas dividem espaço com as toscas réplicas de pés, braços, mãos e cabeças. Na parte central, diante das imagens piedosas de Nossa Senhora, uns poucos beatos e beatas rezam em voz baixa, o rosto contrito, as mãos unidas e o olhar pedinte, elevando-se aos céus.
Já são 6h20 e a coluna de fé domina o caminho no monte. O topo da montanha enche-se de gente e jovens iconoclastas fazem piada no caminho dos romeiros. Há um clima de festa e não de respeito, com o lixo nos arredores e os fogos de artifício que pipocam no céu. Quarenta minutos depois, os Irmãos descem o morro em meio à cantoria do louvor e das matracas, carregando as imagens de Nossa Senhora das Dores. Outra multidão segue os Irmãos. O Sol abre seus raios sobre a paisagem do sertão agora verdejante, refletindo nos açudes cavados para o período das chuvas. É um tempo de esperança e renovação. O fluxo continua.
Romaria iniciou-se em 1775
“Aqui não se chamará mais Serra do Piquiriçá, e sim, Monte Santo”, decretou, do alto da montanha, o frei capuchinho Apolônio de Todi, em 1775. Vindo da missão de Maçaracá, na época uma aldeia indígena e hoje a cidade de Euclides da Cunha, Todi desejava ampliar seu trabalho missionário para as terras da fazenda Lagoa da Onça, mas o povo não compareceu para assistir à sua pregação: não havia água suficiente. Foram então para a Serra do Piquiriçá, terra de aventureiros em busca do Eldorado e onde a água abundante garantiu a audiência.
Impressionado com o aspecto da montanha e convencido de sua semelhança com o calvário de Jerusalém, Apolônio de Todi organizou uma procissão de penitência para levantar um cruzeiro no alto da montanha, no dia 1 de novembro de 1775. No caminho, os fiéis foram açoitados por fortes ventos e plantaram 25 cruzes: a primeira para as almas, as sete seguintes para as dores de Nossa Senhora, e as 14 restantes, para a paixão de Cristo.
Segundo o relato da lenda de Apolônio, após a ameaça da ventania, uma nuvem luminosa surgiu no alto da montanha. Era o sinal: o frei ordenou a construção da capela, no alto, para Nossa Senhora das Dores. Ajudado pelos moradores dos povoados próximos, Apolônio erigiu a fabulosa via sacra na montanha sertaneja, obra posteriormente completada em 1791 e incrementada pelo trabalho fervoroso dos habitantes da cidade do Monte Santo, cada vez mais numerosos, em virtude das seguidas romarias da Semana Santa, pois o frei decretou que, “nos dias santos, venham visitar os santos lugares, pois vivem em grande desamparo das cousas espirituais”. Quando explodiu a guerra ao arraial de Canudos, Monte Santo serviu como base para as tropas republicanas que encerraram o sonho fanático dos seguidores do Conselheiro.
Atualmente, o santuário é que está desamparado, embora ostente uma vistosa placa com o nome do Instituto do Patrimônio Histórico-Artístico Nacional (IPHAN) e promessas de reforma. A ação de vândalos, há dois anos, forçou a retirada das obras de arte sacra das capelas, agora encerradas na segurança da igreja matriz de Monte Santo, abaixo do santuário. Em seu lugar, meras fotografias. (P.B.)
Romaria existente há mais de 200 anos continua, mas está menos fervorosa e com a estrutura descuidada
PATRICK BROCK
ENVIADO ESPECIAL
“Monte Santo é um lugar lendário”
Euclides da Cunha, Os Sertões
MONTE SANTO – Os romeiros chegam em ondas de fé, prontos para o calvário de 3 km de extensão e 500 metros de altitude. Alguns enfrentam as pedras com os pés descalços, para ampliar o sofrimento. No alto, o pináculo do fanatismo cristão sertanejo, um local místico, ao qual se atribuem milagres e graças alcançadas. O burburinho de vozes, fogos de artifício e vendedores de água contrasta com a pureza bicentenária da igreja de Nossa Senhora das Dores. Ao chegar no cume da montanha, arrasado pela altitude e os pedregulhos traiçoeiros da escalada penosa, o penitente perde-se num misto de êxtase religioso e auto-imolação que inspirou o próprio Antônio Conselheiro, quando este formou seus dogmas sacrificantes e proféticos, responsáveis por atrair milhares de seguidores fanáticos.
Em nome da fé que paga as promessas e busca milagres, milhares de romeiros vem de povoados e cidades próximas, e até de outros estados, para subir o Monte Santo, numa tradição que se renova com os jovens e é mantida por senhores idosos, risonhos da vida enquanto galgam a via sacra do sertão. O movimento começa à meia-noite da sexta-feira da Paixão e vai aumentando até atingir o ápice às 6 horas da manhã. Romeiros em pleno fervor religioso e jovens barulhentos misturam-se – o objetivo é purgar os pecados com a escalada extenuante.
Neste momento são 3h30 da manhã e os primeiros ônibus chegam à praça principal de Monte Santo (300 km de Salvador).
- O caminho de Deus é o caminho da dor - diz a lavradora Maria do Carmo, 48 anos, do povoado de Mandacaru. Maria vem ao Monte Santo todos anos e já chega cantando, com a voz ressecada de sertaneja. Sua reza é de uma melancolia quase feliz e ela lança sua harmonia antes de acender um cigarro de palha:
“Quem foi que nasceu
Na noite de Natal?
Menino Jesus,
Para nos salvar
Bendita seja
A novena meu Deus
Menino Jesus
Na Lapa nasceu”
Na entrada do caminho sagrado, os grupos vão aumentando em tamanho e freqüência. No sopé, preparam-se para a escalada o moto-taxista Vildemário Silva dos Santos, 30 anos, nascido e criado em Monte Santo. Depois de uma década de ausência, ele voltou para escalar o monte, porque “é sagrado”. Há pureza em sua voz.
- Vim agradecer a Deus por estar vivo e trouxe meu amigo e irmão aqui - Ao seu lado, o artesão de 37 anos Roberval Lima Gonçalves, feição séria e olhar descansado. Ele vai pagar promessa, acendendo uma vela para Nossa Senhora quando chegar ao cume.
- Estive muito doente, com problema de depressão, e hoje eu agradeço muito a Deus por estar aqui - e os dois partem em disparada, Vildemário a incentivar Roberval. Depois chega Luciano da Silva, 17 anos, morador de Monte Santo, acostumado a enfrentar o caminho desde os sete anos.
- Tem gente que sobe aí pra bagunçar, quebraram os santos lá em cima, isso acaba um pouco com a história. Esse ano eu vou subir só pela tradição mesmo. Mas teve um ano que subi porque um tio meu estava preso, fiz a promessa pra ele ser libertado.
Na praça, em frente à igreja de Monte Santo, os vinte remanescentes da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Santa Cruz preparam-se para subir. Usam uma espécie de manto roxo, parecido com um hábito dos capuchinhos – a romaria foi iniciado por um frei capuchinho, Apolônio de Todi, em 1775. Dois deles levam cajados com lanternas e um terceiro, no centro, empunha a Santa Cruz. São cerca de 20 devotos, idosos na maioria. Um deles, de torso anormal e olhar compenetrado, bate a “matraca”, um tipo de reco-reco destinado a anunciar o início oficial da romaria.
- Louvemos a Santa Cruz.... – entoam os integrantes da irmandade, enquanto a matraca soa atrevida: “tleco-tleco-tleco-tleco...”. Começa a subida dos Irmãos. A fila engrossa e uma multidão segue a Irmandade. A primeira etapa é a pior: o ângulo de 20 graus cala os Irmãos. Alguns deles ficam para trás, ofegantes, um irmão idoso atrasa a procissão. Na quarta capela (de um total de 25), breve parada. A segunda etapa segue-se mais tranqüila na planura relativa do terreno. A Irmandade segue em ritmo acelerado e os primeiros raios de luz aparecem no céu.
A última etapa é dolorida e muitos ficam pelo caminho. Já se vê a cidade lá embaixo, diminuída, a igreja matriz agora parece caber na ponta de um dedo. Ao chegarem no topo, um santuário recebe os romeiros de portas abertas, mas muitos contornam a igreja branca como se fossem muçulmanos em volta da pedra sagrada em Meca. Alguns acendem velas, os recibos de promessas cumpridas, enquanto outros juntam a cera derretida em novelos presos a barbantes, como uma pescaria de sebo.
- A romaria antes era mais forte. Todo mundo rodando a igreja, e rezando - diz o aposentado Valter Martins dos Santos, 75 anos, natural de Monte Santo e residente em Camaçari. No lado esquerdo da nave, na capela cumeeira, dois diplomas do mesmo indivíduo: um de 1968, de um curso para vigilantes noturnos em São Paulo, e outro de 1984, certificando o proprietário como detetive profissional. Entre os dois, algumas linhas de envelhecimento no rosto da foto e o olhar mais cansado. Mudos testemunhos de graças alcançadas, os diplomas dividem espaço com as toscas réplicas de pés, braços, mãos e cabeças. Na parte central, diante das imagens piedosas de Nossa Senhora, uns poucos beatos e beatas rezam em voz baixa, o rosto contrito, as mãos unidas e o olhar pedinte, elevando-se aos céus.
Já são 6h20 e a coluna de fé domina o caminho no monte. O topo da montanha enche-se de gente e jovens iconoclastas fazem piada no caminho dos romeiros. Há um clima de festa e não de respeito, com o lixo nos arredores e os fogos de artifício que pipocam no céu. Quarenta minutos depois, os Irmãos descem o morro em meio à cantoria do louvor e das matracas, carregando as imagens de Nossa Senhora das Dores. Outra multidão segue os Irmãos. O Sol abre seus raios sobre a paisagem do sertão agora verdejante, refletindo nos açudes cavados para o período das chuvas. É um tempo de esperança e renovação. O fluxo continua.
Romaria iniciou-se em 1775
“Aqui não se chamará mais Serra do Piquiriçá, e sim, Monte Santo”, decretou, do alto da montanha, o frei capuchinho Apolônio de Todi, em 1775. Vindo da missão de Maçaracá, na época uma aldeia indígena e hoje a cidade de Euclides da Cunha, Todi desejava ampliar seu trabalho missionário para as terras da fazenda Lagoa da Onça, mas o povo não compareceu para assistir à sua pregação: não havia água suficiente. Foram então para a Serra do Piquiriçá, terra de aventureiros em busca do Eldorado e onde a água abundante garantiu a audiência.
Impressionado com o aspecto da montanha e convencido de sua semelhança com o calvário de Jerusalém, Apolônio de Todi organizou uma procissão de penitência para levantar um cruzeiro no alto da montanha, no dia 1 de novembro de 1775. No caminho, os fiéis foram açoitados por fortes ventos e plantaram 25 cruzes: a primeira para as almas, as sete seguintes para as dores de Nossa Senhora, e as 14 restantes, para a paixão de Cristo.
Segundo o relato da lenda de Apolônio, após a ameaça da ventania, uma nuvem luminosa surgiu no alto da montanha. Era o sinal: o frei ordenou a construção da capela, no alto, para Nossa Senhora das Dores. Ajudado pelos moradores dos povoados próximos, Apolônio erigiu a fabulosa via sacra na montanha sertaneja, obra posteriormente completada em 1791 e incrementada pelo trabalho fervoroso dos habitantes da cidade do Monte Santo, cada vez mais numerosos, em virtude das seguidas romarias da Semana Santa, pois o frei decretou que, “nos dias santos, venham visitar os santos lugares, pois vivem em grande desamparo das cousas espirituais”. Quando explodiu a guerra ao arraial de Canudos, Monte Santo serviu como base para as tropas republicanas que encerraram o sonho fanático dos seguidores do Conselheiro.
Atualmente, o santuário é que está desamparado, embora ostente uma vistosa placa com o nome do Instituto do Patrimônio Histórico-Artístico Nacional (IPHAN) e promessas de reforma. A ação de vândalos, há dois anos, forçou a retirada das obras de arte sacra das capelas, agora encerradas na segurança da igreja matriz de Monte Santo, abaixo do santuário. Em seu lugar, meras fotografias. (P.B.)
30.3.06
blog manifesto
Thursday, July 14, 2005
when you need some cocaine simpaty, just the three of us in a low class apartament near the city center. the downtown is truly an elevated center of cars and smoke, we hide in sort of quiet street, not far from home or insanity.
the safe house belongs to Harry, a television presenter i've know for ages, and mr. Z, a cronicaly disgressing semi-sociopat friend of mine. we had the stuff; it just appeared in a plate and we used it. for me, the same old feeling of strange alertness and distaste. is not my drug of choice and has little efect on me.
the conversation ranged from comments supposed to be sound but that irradiated for centuries. and the books or whatever is happening in the parlament flashing on the screen. we end up informing each other about pieces of data that are normaly disconected from the mainstream sources.
and later, some haxix, and what da fuck! thought i could write in english again. there must be a thousand mistakes. i dont care. none of us care. we are the media of tomorrow.
Lord Byron
when you need some cocaine simpaty, just the three of us in a low class apartament near the city center. the downtown is truly an elevated center of cars and smoke, we hide in sort of quiet street, not far from home or insanity.
the safe house belongs to Harry, a television presenter i've know for ages, and mr. Z, a cronicaly disgressing semi-sociopat friend of mine. we had the stuff; it just appeared in a plate and we used it. for me, the same old feeling of strange alertness and distaste. is not my drug of choice and has little efect on me.
the conversation ranged from comments supposed to be sound but that irradiated for centuries. and the books or whatever is happening in the parlament flashing on the screen. we end up informing each other about pieces of data that are normaly disconected from the mainstream sources.
and later, some haxix, and what da fuck! thought i could write in english again. there must be a thousand mistakes. i dont care. none of us care. we are the media of tomorrow.
Lord Byron
20.3.06
15.3.06
6.3.06
28.2.06
Preciso Me Encontrar
Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Quero assistir o sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar
Quero assistir o sol nascer
Ver as águas do rio correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Quero assistir o sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Quando eu me encontrar
Quero assistir o sol nascer
Ver as águas do rio correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver
Deixe-me ir preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
27.2.06
Os erês do Pelourinho
por LORDE BYRON
Há uma energia ancestral nas pedras do calçamento no Pelourinho, e para renová-la, centenas de pés infantis correm pelas vielas, como Erês, apagando o sofrimento dos escravos. Achamos a vaga no vasto estacionamento e logo estamos cercados por famílias inteiras; há sangue e sonho; cabeleireiros preparam penteados afro e turistas caminham assustados no início da noite de marchinhas hipnóticas, de sopro e tambor. Sinto um gosto de cravinho. Tiro os sapatos e piso no chão, com os olhos voltados para o céu e a iluminação fraca das lâmpadas de tungstênio.
A jovem família está fantasiada de Os Incríveis e reclama com o filho inquieto. Tomam cerveja. Comem amendoim. Assistem às bandas de marchinhas. A banda 171 logo se aproxima, com camisa de presidiário listrada. Mais à frente, uma mulher solitária assiste ao show do marido - sax e um teclado com programação de bateria, em meio ao restaurante de luxo onde turistas engolem vorazmente frutos do mar e carne do sol. O mesmo show, há 12 anos, “Yesterday”.
Numa esquina, surge um bloco de orientais – tailandeses de pele morena; chineses de rosto achatado; japoneses muito brancos; coreanos de faces redondas. Eles tocam fora do compasso e arrastam uma multidão, como um pelotão de dançarinas exóticas e vendedores de tênis falsificados. Hippies de miçangas, encostados no muro da Faculdade de Medicina, vêm pedir cigarros, ávidos. Robson Andrade tem 31 anos e veio de Olinda. Despreza o carnaval do Pelourinho.
- Aqui não é carnaval. Acaba às 2 horas da manhã! – diz. Aí reclama da violência na Barra e pede mais um cigarro, puxando os “d” e os “t”.
Em outra esquina, Edna e Natan tentam vender uma fantasia do bloco Filhos de Gandhy, a R$ 220. Ela está grávida. Natan está entediado. Ao seu lado, pelo quarto ano seguido, Solange ajusta os turbantes dos Gandhys a R$ 5 ou 7. Depende do cliente, como tudo por aqui. As lojas de artesanato estão todas abertas. Com paciência bovina, a vendedora nem pisca os olhos enquanto assiste ao movimento noturno. É noite. Durante o dia, as ruas estavam mais sufocadas. Mostra-me as fotos da artesã com estrangeiros, que parecem admirados com seus tapetes de piaçava – troféus instantâneos para referenciar sua arte.
Na mesa de mogno, o capitão Edílson Santana assina o livro de ocorrências com calma, desenhando as letras, enquanto sorri e responde às minhas perguntas. Nada está acontecendo e tudo está tranqüilo. O tempo segue numa velocidade transitória de festejos carnavalescos - o movimento não parece que chegou ao auge e já vai diminuindo. São 10h30 da noite. Na entrada do estacionamento, um cortejo de baianas cibernéticas prepara-se para sair.
- É o bloco da Eterna Juventude - explica Edivete Góes Bonfim, 63 anos, bordadeira.
- Não, é o bloco do Lixo ao Luxo, de Joaquim Assis - corrige Joselita Patrocínio, que faz 70 anos no mês e usa um feito com embalagens de Nescau, bem colado no corpo. “Aqui somos todos iguais. Tem quem pega no lápis, tem quem pega na roupa para lavar. Profissão aqui não importa”. Depois dessa declaração, qualquer coisa parece mais humana do que registrar os fatos com precisão objetiva. Voltando pela Baixa dos Sapateiros, sinto o gosto do sangue.
Há uma energia ancestral nas pedras do calçamento no Pelourinho, e para renová-la, centenas de pés infantis correm pelas vielas, como Erês, apagando o sofrimento dos escravos. Achamos a vaga no vasto estacionamento e logo estamos cercados por famílias inteiras; há sangue e sonho; cabeleireiros preparam penteados afro e turistas caminham assustados no início da noite de marchinhas hipnóticas, de sopro e tambor. Sinto um gosto de cravinho. Tiro os sapatos e piso no chão, com os olhos voltados para o céu e a iluminação fraca das lâmpadas de tungstênio.
A jovem família está fantasiada de Os Incríveis e reclama com o filho inquieto. Tomam cerveja. Comem amendoim. Assistem às bandas de marchinhas. A banda 171 logo se aproxima, com camisa de presidiário listrada. Mais à frente, uma mulher solitária assiste ao show do marido - sax e um teclado com programação de bateria, em meio ao restaurante de luxo onde turistas engolem vorazmente frutos do mar e carne do sol. O mesmo show, há 12 anos, “Yesterday”.
Numa esquina, surge um bloco de orientais – tailandeses de pele morena; chineses de rosto achatado; japoneses muito brancos; coreanos de faces redondas. Eles tocam fora do compasso e arrastam uma multidão, como um pelotão de dançarinas exóticas e vendedores de tênis falsificados. Hippies de miçangas, encostados no muro da Faculdade de Medicina, vêm pedir cigarros, ávidos. Robson Andrade tem 31 anos e veio de Olinda. Despreza o carnaval do Pelourinho.
- Aqui não é carnaval. Acaba às 2 horas da manhã! – diz. Aí reclama da violência na Barra e pede mais um cigarro, puxando os “d” e os “t”.
Em outra esquina, Edna e Natan tentam vender uma fantasia do bloco Filhos de Gandhy, a R$ 220. Ela está grávida. Natan está entediado. Ao seu lado, pelo quarto ano seguido, Solange ajusta os turbantes dos Gandhys a R$ 5 ou 7. Depende do cliente, como tudo por aqui. As lojas de artesanato estão todas abertas. Com paciência bovina, a vendedora nem pisca os olhos enquanto assiste ao movimento noturno. É noite. Durante o dia, as ruas estavam mais sufocadas. Mostra-me as fotos da artesã com estrangeiros, que parecem admirados com seus tapetes de piaçava – troféus instantâneos para referenciar sua arte.
Na mesa de mogno, o capitão Edílson Santana assina o livro de ocorrências com calma, desenhando as letras, enquanto sorri e responde às minhas perguntas. Nada está acontecendo e tudo está tranqüilo. O tempo segue numa velocidade transitória de festejos carnavalescos - o movimento não parece que chegou ao auge e já vai diminuindo. São 10h30 da noite. Na entrada do estacionamento, um cortejo de baianas cibernéticas prepara-se para sair.
- É o bloco da Eterna Juventude - explica Edivete Góes Bonfim, 63 anos, bordadeira.
- Não, é o bloco do Lixo ao Luxo, de Joaquim Assis - corrige Joselita Patrocínio, que faz 70 anos no mês e usa um feito com embalagens de Nescau, bem colado no corpo. “Aqui somos todos iguais. Tem quem pega no lápis, tem quem pega na roupa para lavar. Profissão aqui não importa”. Depois dessa declaração, qualquer coisa parece mais humana do que registrar os fatos com precisão objetiva. Voltando pela Baixa dos Sapateiros, sinto o gosto do sangue.
26.2.06
Sex Pistols esnobam Hall da Fama do Rock nos EUA
Banda diz que instituição americana é como 'urina no vinho'
A banda britânica de punk rock Sex Pistols rejeitaram uma proposta para que seja incluída no Hall da Hama do Rock and Roll nos Estados Unidos.
Numa nota escrita à mão e publicada no website do grupo, eles afirmam que o Hall da Fama americano é como "urina no vinho".
"Não somos seus macacos, não viremos (na festa de adesão). Vocês não estão prestando atenção", afirma o comunicado.
Os responsáveis pelo Hall da Fama pretendiam introduzir o Sex Pistols aos listados no museu numa cerimônia em Nova York no dia 13 de março.
"Eles estão sendo os punks ultrajantes que são, e isso é rock'n'roll", disse a diretora-executiva da fundação que administra o Hall da Fama, Susan Evans.
O vocalista dos Pistols Johnny Rotten já definiu no passado a instituição do Hall da Fama como "um lugar onde velhos roqueiros vão para morrer", apelidando o local de "Rock and Roll Hall of Shame" (o Hall da Vergonha do Rock).
BBC
Banda diz que instituição americana é como 'urina no vinho'
A banda britânica de punk rock Sex Pistols rejeitaram uma proposta para que seja incluída no Hall da Hama do Rock and Roll nos Estados Unidos.
Numa nota escrita à mão e publicada no website do grupo, eles afirmam que o Hall da Fama americano é como "urina no vinho".
"Não somos seus macacos, não viremos (na festa de adesão). Vocês não estão prestando atenção", afirma o comunicado.
Os responsáveis pelo Hall da Fama pretendiam introduzir o Sex Pistols aos listados no museu numa cerimônia em Nova York no dia 13 de março.
"Eles estão sendo os punks ultrajantes que são, e isso é rock'n'roll", disse a diretora-executiva da fundação que administra o Hall da Fama, Susan Evans.
O vocalista dos Pistols Johnny Rotten já definiu no passado a instituição do Hall da Fama como "um lugar onde velhos roqueiros vão para morrer", apelidando o local de "Rock and Roll Hall of Shame" (o Hall da Vergonha do Rock).
BBC
21.2.06
direto de 1998
Na flor da juventude e pregando a desconstrução da gramática. Al nite Lang.
Os novos totens de elétrons
A cada instante que passava, eu ficava cansado. Era como se nos obrigassem
a ver tanto quanto nossas mentes absorvessem. Naturalmente isso até levava
alguns indivíduos a loucura.
Felizmente, tudo isso era moldado de forma a ser aceitável ao ponto de um
conformismo incondicional. Eu caminho apático, e recebo toda essa carga
avassaladora. É o preço de se morar em um aglomerado onde milhões de outros
humanos se espremem, também. E enquanto caminhava, procurava discernir a
beleza borrada de um entre quinze edifícios. Os rios brilhantes de gás, aço
e plástico são infinitamente mais claros do que qualquer coisa que eu possa
ver, e isso me entristece. Por quê ninguém reclama desses rios, só eu?
Todas as centenas escondidas dentro dos prédios borrados seguem tranqüilas,
por que sempre haverá emprego e estabilidade, e mais ilusões, piores.
Gostaria de assistir a um rio brilhante morrer, apagar-se e não mais ofuscar
o ambiente. Mas ao mesmo tempo eu aprecio e até glorifico aos rios, mesmo
estando ciente da solidão habitando os pequenos receptáculos. Glorifico a
velocidade, a força poderosa das correntes que navegam nesses rios
ofuscantes. A força do dinheiro, da indústria, e da vida doentia de tantos,
assim como a minha.
É tudo assim, igual e veloz. Não existe mais um bucolismo padrão. O
bucolismo se encontra onde ele atacar. Velocidade, os rios, os totens,
todos eles assumem seus papéis na imagem que arde e cola nas minhas retinas,
ficando ali impressa, forjada. Ouço os gritos alegres e infelizes dos
outros caminhando, mas fui ensinado a ignora-los até onde for possível, em
favor de um outdoor brilhante, ou de um anúncio de biquíni. Mas estou tão
acostumado que isso já não faz parte do universo que é só meu, e é tão
único, mesmo quando tentam padroniza-lo, afoga-lo em um mar de bens de
consumismo. Outro dia alguém me disse que partiria em uma busca espiritual.
Dei-lhe minha benção e sacrifiquei uma formiga em sua homenagem. De quê
adianta?
Gostaria de que as pessoas percebessem o quanto estão submersas em uma
galáxia feita de cores, pessoas, dinheiro, produtos e linguagens de
elétrons. Mas se elas descobrissem tal coisa, não seriam elas apenas mais
infelizes?
Os rios brilhantes conduzem muita coisa de um lugar ao outro, especialmente
pessoas. É toda uma gigantesca massa biológica se movimentando ao mesmo
tempo. Todo dia é assim. Mesmo quando as biomassas morrem e tem de ser
descartadas. Mas sempre existirão mais rios e mais pessoas, até o dia em
que só existirão rios, e cartazes publicitários, e pessoas. E as idéias do
homem estarão a tal ponto domesticadas que servirão apenas para concretizar
a servidão de comprar, e comprar mais.
Se uma dessas biomassas sobreviver ao dia, ela chegará ao seu domicílio e
desfrutará de todos os produtos adquiridos com o dinheiro que tanto
esmerou-se para conseguir. Enquanto se alimenta, receberá em sua poltrona
todo o treinamento necessário para seguir rumo a mais um dia, através de um
monitor de elétrons. Tudo acompanhado de imagens belas e narcotizantes,
assim como mensagens tão inocentes quanto subliminares. Chega o fim da
linha: escolher paixão conformista, celas minúsculas de dois quartos
reversíveis para três, quatro paredes brancas e no teto uma lâmpada de 220
watts.
Os novos totens de elétrons
A cada instante que passava, eu ficava cansado. Era como se nos obrigassem
a ver tanto quanto nossas mentes absorvessem. Naturalmente isso até levava
alguns indivíduos a loucura.
Felizmente, tudo isso era moldado de forma a ser aceitável ao ponto de um
conformismo incondicional. Eu caminho apático, e recebo toda essa carga
avassaladora. É o preço de se morar em um aglomerado onde milhões de outros
humanos se espremem, também. E enquanto caminhava, procurava discernir a
beleza borrada de um entre quinze edifícios. Os rios brilhantes de gás, aço
e plástico são infinitamente mais claros do que qualquer coisa que eu possa
ver, e isso me entristece. Por quê ninguém reclama desses rios, só eu?
Todas as centenas escondidas dentro dos prédios borrados seguem tranqüilas,
por que sempre haverá emprego e estabilidade, e mais ilusões, piores.
Gostaria de assistir a um rio brilhante morrer, apagar-se e não mais ofuscar
o ambiente. Mas ao mesmo tempo eu aprecio e até glorifico aos rios, mesmo
estando ciente da solidão habitando os pequenos receptáculos. Glorifico a
velocidade, a força poderosa das correntes que navegam nesses rios
ofuscantes. A força do dinheiro, da indústria, e da vida doentia de tantos,
assim como a minha.
É tudo assim, igual e veloz. Não existe mais um bucolismo padrão. O
bucolismo se encontra onde ele atacar. Velocidade, os rios, os totens,
todos eles assumem seus papéis na imagem que arde e cola nas minhas retinas,
ficando ali impressa, forjada. Ouço os gritos alegres e infelizes dos
outros caminhando, mas fui ensinado a ignora-los até onde for possível, em
favor de um outdoor brilhante, ou de um anúncio de biquíni. Mas estou tão
acostumado que isso já não faz parte do universo que é só meu, e é tão
único, mesmo quando tentam padroniza-lo, afoga-lo em um mar de bens de
consumismo. Outro dia alguém me disse que partiria em uma busca espiritual.
Dei-lhe minha benção e sacrifiquei uma formiga em sua homenagem. De quê
adianta?
Gostaria de que as pessoas percebessem o quanto estão submersas em uma
galáxia feita de cores, pessoas, dinheiro, produtos e linguagens de
elétrons. Mas se elas descobrissem tal coisa, não seriam elas apenas mais
infelizes?
Os rios brilhantes conduzem muita coisa de um lugar ao outro, especialmente
pessoas. É toda uma gigantesca massa biológica se movimentando ao mesmo
tempo. Todo dia é assim. Mesmo quando as biomassas morrem e tem de ser
descartadas. Mas sempre existirão mais rios e mais pessoas, até o dia em
que só existirão rios, e cartazes publicitários, e pessoas. E as idéias do
homem estarão a tal ponto domesticadas que servirão apenas para concretizar
a servidão de comprar, e comprar mais.
Se uma dessas biomassas sobreviver ao dia, ela chegará ao seu domicílio e
desfrutará de todos os produtos adquiridos com o dinheiro que tanto
esmerou-se para conseguir. Enquanto se alimenta, receberá em sua poltrona
todo o treinamento necessário para seguir rumo a mais um dia, através de um
monitor de elétrons. Tudo acompanhado de imagens belas e narcotizantes,
assim como mensagens tão inocentes quanto subliminares. Chega o fim da
linha: escolher paixão conformista, celas minúsculas de dois quartos
reversíveis para três, quatro paredes brancas e no teto uma lâmpada de 220
watts.