19.9.08

Ser baiano



O Mito da Preguiça Baiana, Não Passa de Racismo

Escrito por Girimias Dourado
Saturday, 04 December 2004

"Preguiça baiana" é faceta do racismo. A famosa "malemolência" ou preguiça baiana, na verdade, não passa de racismo, segundo concluiu uma tese de doutorado defendida na USP. A pesquisa que resultou nessa tese durou quatro anos.


A tese, defendida pela professora de antropologia Elisete Zanlorenzi, da PUC-Campinas, sustenta que o baiano é muitas vezes mais eficiente que o trabalhador das outras regiões do Brasil e contesta a visão de que o morador da Bahia vive em clima de "festa eterna".

Pelo contrário, é justamente no período de festas que o baiano mais trabalha. Como 51% da mão-de-obra da população atua no mercado informal, as festas são uma oportunidade de trabalho. "Quem se diverte é o turista", diz a antropóloga.

O objetivo da tese foi descobrir como a imagem da preguiça baiana surgiu e se consolidou. Elisete concluiu, após quatro anos de pesquisas históricas,que a imagem da preguiça derivou do discurso discriminatório contra os negros e mestiços, que são cerca de 79% da população da Bahia.

O estudo mostra que a elevada porcentagem de negros e mestiços não é uma coincidência. A atribuição da preguiça aos baianos tem um teor racista.

A imagem de povo preguiçoso se enraizou no próprio Estado, por meio da elite portuguesa, que consideravam os escravos indolentes e preguiçosos, devido às suas expressões faciais de desgosto e a lentidão na execução do serviço (como trabalhar bem-humorado em regime de escravidão????).

Depois, se espalhou de forma acentuada no Sul e Sudeste a partir das migrações da década de 40. Todos os que chegavam do Nordeste viraram baianos. Chamá-los de preguiçosos foi a forma de defesa encontrada para denegrir a imagem dos trabalhadores nordestinos (muito mais paraibanos do que propriamente baianos), taxando- os como desqualificados, estabelecendo fronteiras simbólicas entre dois mundos como forma de "proteção" dos seus empregos.

Elisete afirma que os próprios artistas da Bahia, como Dorival Caymmi, Caetano Veloso e Gilberto Gil, têm responsabilidade na popularização da imagem. "Eles desenvolveram esse discurso para marcar um diferencial nas cidades industrializadas e urbanas.

A preguiça, aí, aparece como uma especiaria que a Bahia oferece para o Brasil", diz Elisete.

Até Caetano se contradiz quando vende uma imagem e diz: "A fama não corresponde à realidade. Eu trabalho muito e vejo pessoas trabalhando na Bahia como em qualquer lugar do mundo".

Segundo a tese, a preguiça foi apropriada por outro segmento: a indústria do turismo, que incorporou a imagem para vender uma idéia de lazer permanente "Só que Salvador é uma das principais capitais industriais do país, com um ritmo tão urbano quanto o das demais cidades."

O maior pólo petroquímico do país está na Bahia, assim como o maior pólo industrial do norte e nordeste, crescendo de forma tão acelerada que, em cerca de 10 anos será o maior pólo industrial na américa latina.

Para tirar as conclusões acerca da origem do termo "preguiça baiana", a antropóloga pesquisou em jornais de 1949 até 1985 e estudou o comportamento dos trabalhadores em empresas. O estudo comprovou que o calendário das festas não interfere no comparecimento ao trabalho. O feriado de carnaval na Bahia coincide com o do resto do país. Os recessos de final de ano também.

A única diferença é no São João (dia 24 /06), que é feriado em todo o norte e nordeste (e não só na Bahia).

Em fevereiro (Carnaval), uma empresa, com sede no Pólo Petroquímico da Bahia, teve mais faltas na filial de São Paulo que na matriz baiana (sendo que o n° de funcionários na matriz é 50% maior do que na filial citada).

Outro exemplo: a Xerox do Nordeste, que fica na Bahia, ganhou os dois prêmios de qualidade no trabalho dados pela Câmara Americana de Comércio (e foi a única do Brasil).

Pesquisas demonstram que é no Rio de Janeiro que existem mais dos chamados "desocupados" (pessoas em faixa etária superior a 21 anos que transitam por shoppings, praias, ambientes de lazer e principalmente bares de bairros durante os dias da semana entre 9 e 18h), considerando levantamento feito em todos os estados brasileiros. A Bahia aparece em 13° lugar.

Acredita-se hoje, e ainda por mais uns 5 a 7 anos, que a Bahia é o melhor lugar para investimento industrial e turístico da América Latina, devido a fatores como incentivos fiscais, recursos naturais e campo para o mercado ainda não saturado.

O investimento industrial e turístico tem atraído muitos recursos para o estado e inflado a economia, sobretudo de Salvador, o que tem feito inflar também o mercado financeiro (bancos, financeiras e empresas prestadoras de serviços como escritórios de advocacia, empresas de auditoria, administradoras e lojas do terceiro setor).

Mídia reproduz preconceito e imagem construída da preguiça baiana.

A preguiça baiana e a imagem generalizada do nordestino malemolente e devagar são perfis construídos historicamente e reforçados pela mídia.

Essa é uma das conclusões da tese, que será transformada em livro e deve chegar às livrarias até o final do ano.

A pesquisadora explica que, depois de morar em Salvador, entre 1980 e 1984, ficou intrigada com a campanha difamatória comandada pela mídia local sobre o movimento do bairro Calabar, que teve origem a partir de uma ocupação na década de 1940 em uma região nobre da capital baiana.

"O que me chamou a atenção foi que eles davam um duro danado: conseguiram água, esgoto e luz para Calabar. Mas a imprensa fazia a imagem de vagabundos, preguiçosos e criminosos", lembra a autora da pesquisa, que focou seu trabalho na representação do trabalho e do tempo.

O papel da imprensa nessa construção é muito importante, diz Zanlorenzi, porque reproduz o discurso e os interesses da elite. Desde o século XVI, a elite baiana depreciava os negros escravos, que eram descritos, primeiramente, como desorganizados e sujos, depois como analfabetos e sem conhecimento, e, finalmente, como preguiçosos.

A famosa Ladeira da Preguiça, em Salvador, ganhou este nome por ter sido a via de acesso de mercadorias vindas do porto para a cidade e que eram levadas em carretões puxados a boi e empurrados por escravos.

Essa era a forma de interiorização da dominação, no período da escravidão, afirma a antropóloga. Depois, a depreciação assumiu a forma da exclusão. Assim aconteceu com os negros, índios e imigrantes nordestinos nas regiões Sul e Sudeste, quando, a partir da década de 1950, intensificou-se a imigração.

A imagem de preguiçoso estendeu-se aos imigrantes dos estados nordestinos, categorizados como "baianos", a grande maioria oriunda de fazendas vitimadas pela seca, normalmente mestiços, afro-descendentes e desqualificados profissionalmente.

O nordestino foi responsabilizado, enfatiza a pesquisadora, por todo caos do crescimento urbano da cidade, enquanto não havia qualquer projeto de inclusão social.

"Depreciar era interessante, porque justificava baixos salários e falta de investimento", esclarece.

O sociólogo Octavio Ianni (1925-2004), um dos examinadores da banca de doutorado de Zanlorenzi, destacou que a tese mostrava a forma sutil de racismo a negros e nordestinos.

No candomblé, outra raiz dessa imagem pôde ser identificada, uma vez que a relação tempo e trabalho ali existente se contrasta com a da visão capitalista.

"A influência da cultura afro na Bahia é muito forte e o candomblé é a matriz religiosa dessa cultura, onde o trabalho não se contrapõe ao tempo livre nem é uma obrigação, como no capitalismo", explica.

No candomblé, o trabalho é só um dos aspectos da vida, além do lazer, da família e dos amigos, sem fazer com que isso represente um trabalho desleixado.

"Só agora, o capitalismo está descobrindo a necessidade de ver o trabalhador como um ser humano", lembra a antropóloga. Não é à toa que na sociedade capitalista é tão comum perguntar a uma criança "o que ela vai ser quando crescer", e chama de preguiça o trabalho que não é realizado para o acúmulo.

Assim, o índio, por exemplo, que produz para a subsistência, também recebeu o mesmo estigma de preguiçoso.

Jornais

Em seu doutorado, Zanlorenzi analisou a cobertura dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal da Bahia e Jornal do Brasil, entre os anos de 1949 e 1985, e constatou, por exemplo, que o Sudeste foi construindo a imagem da preguiça associada à imigração.

O trabalho concentrou-se nos períodos de festa (junho/julho/agosto e dezembro a março), quando mais se trabalha no Nordeste, mas quando mais se reforça a imagem da preguiça e do não-trabalho.

Entre as conclusões, verificou-se que os jornais eram o espelho do discurso social mais amplo, ou seja, não eram eles os geradores, mas ajudavam a criar um discurso autônomo na sociedade. Outra constatação da pesquisa foi que a mídia passou a ser o espaço de reprodução do discurso turístico, a partir da década de 1960, quando o próprio governo do estado da Bahia passou a explorar a imagem da preguiça.

Nessa época, a indústria do turismo investiu no slogan da Bahia paradisíaca, para onde deve ir aquele que quer descansar, onde a festa nunca acaba e ninguém usa relógio. Também nesse período, Dorival Caymmi e Ary Barroso cantavam a Salvador de 1920, linda e malemolente, enquanto os novos baianos - Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia - incorporaram a mesma imagem da preguiça, como forma de se diferenciar no cenário musical da época nas regiões Sudeste e Sul.

Até hoje, a antropóloga ressalta que os baianos trabalham muito pela indústria do entretenimento, embora a preguiça tenha sido adotada como traço de identidade cultural.

Zanlorenzi, diz não acreditar que o discurso da preguiça tenha impregnado os próprios baianos e nordestinos que moram na sua região, "porque eles sabem o quanto trabalham".

No entanto, ela acredita que quando esses migram para o Sudeste acabam assumindo essa inferiorização em função do meio externo. "Quando se folcloriza, o discurso se desloca da realidade e ganha vida própria, criando uma força até maior do que tem", explica.

Elisete Zanlorenzii, é antropóloga, pesquisadora, professora da PUC-Campinas e coordena a área de Política Cultural do Programa de Apoio às Políticas Públicas da Pró-Reitoria de Extensão da mesma universidade.



comciencia

5.9.08

Troopergate


Confesso que as duas convenções políticas americanas me deixaram enojado, reflexivo. A convenção democrata menos, apesar daquelas colunas cafonas. Palavras chave ou nuvem de idéias: restaurar o sonho americano e a posição de liderança do país no mundo. Quando eu e uma amiga ouvimos isso, ficamos assustados.

A convenção republicana foi de um militarismo atroz, críticas ferinas a Obama e à esquerda, principalmente ao arquétipo do liberal. Então John McCain, condecorado herói da guerra do Vietnã, ex-prisioneiro de guerra e etc, e diz: "A mudança está vindo", sem muita cerimônia, se apropria do bordão da oposição para prometer mudança...mesmo com o seu partido no poder há 8 desastrosos anos de George W. Bush. (Já está na web o trailer de W., filme de Oliver Stone sobre o filho pródigo, garantia de alvoroço, pois será lançado pouco antes da eleição.)

Uma ferramenta interessante para tentar se prever o resultado das eleições presidenciais americanos é o electoral vote tracker do jornal USA Today, o maior do país.

Com base em pesquisas de opinião, eles já apontam alguns estados que tendem para os democratas e outros que preferem os republicanos. Eu voltei até a eleição de 1960, JFK contra Nixon, e acompanhei os padrões de mudança de voto dos estados durante os anos. Na reeleição de Reagan, em 1984, os americanos ovacionaram o pai do neoconversadorismo com mais de 80% dos votos.

O padrão da era Bush lembra o fim do governo Nixon, em 1973, quando o democrata Jimmy Carter venceu a eleição. Se parece também com o da vitória de Kennedy. A maioria das pesquisas (e, acredite, são centenas) indica vantagem de Obama no início da corrida, que vai até 4 de novembro. A governadora do Alaska, Sarah Pailin, escolha ousada dos republicanos para atrair o voto feminino das desiludidas eleitoras de Hillary Clinton, fascinou a direita. Mas todo tipo de sujeira já vem à tona sobre a ex-miss estadual: sua filha de 17 anos apareceu grávida, ela está sendo investigada pela assembléia estadual por suspeita de abuso de poder - o marido e um assesor tentaram forçar o secretário de segurança pública a demitir um policial rodoviário, um "Trooper", daí o nome do novo escândalo: Troopergate.


Voltando ao mapa do colégio eleitoral, acho que as chances de Obama são boas. Os americanos estão insatisfeitos com a incompetência do último governo e não enxergam nenhum Reagan a surgir pelo caminho. Só o velho McCain, que fez um bonito e hipócrita discurso ao aceitar a indicação de seu partido para disputar a presidência.

O National Enquirer, tablóide de fofocas dos mais escusos, anunciou que vai divulgar aos poucos fatos chocantes sobre Sarah Pailin e sua família. Antes execrado universalmente, o Enquirer divulgou com exclusividade um caso extra-conjugal do ex-senador John Edwards, um dos pretendentes democratas a disputar a presidência que ficou pelo caminho. Sua mulher (detalhe) está com câncer terminal. A carreira de Edwards, por enquanto, parece ter sido destruída.

John Edwards fez fama mesmo com processo milionários contra várias empresas por negligência ou responsabilidade. Seu maior caso, uma indenização de mais de US$ 20 milhões, foi obtido com uma menina de três anos que sentou num ralo aberto e teve seu intestino grosso sugado pela bomba da piscina. Ela ainda está viva.

A família Lakey, aparentemente feliz, com a menina em questão no meio. A foto é dos anos 90. Hoje ela deve estar com 19 anos.

1.9.08

Os FFs da Bahia

DEFINE A SUA CIDADE

De dous ff se compõe
esta cidade a meu ver,
um furtar, outro foder.
Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito e bem feito:
por bem digesto e colheito,
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
De dous ff se compõe.
Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta,
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
Esta cidade a meu ver.
Provo a conjetura já
prontamente com um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são BAHIA,
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.

Gregório de Mattos