24.10.04

COINTREAU

No centro da cidade amortecido de ócio e frio, de ruas assombradas e zonas de acesso restrito, de gente que parece de plástico, de artesanato ocupando o asfalto, uma menina-moça-mulher se entrega em sacrifício a um cara, um eu qualquer; a dor de que ela foge lhe retarda os passos, a fala, coada, se refaz a todo instante, e ela decide intervir sobre o próprio corpo e sobre o meu; um arrepio nos abala a pele; ela evita me olhar nos olhos, como se escondendo, se constrangendo a transar contra a vontade em troca do abrigo de meu quarto, se forçando a conter a angústia que a sufoca, absorta em seu flagelo velado; ela goza quieta, sente o nosso amor incongruente, ternura tanta que tortura, levanta a blusa e mostra os seios, dois ciclones pequenos, alaranjados, pede para ouvir um vinil de jorge ben

e me exibe uma surpresa
cristalina e transparente,
uma ponta de esperança
na nossa noite-criança,

o tesouro engarrafado
que na calçada encontrou
e me trouxe de presente,
a metade de um cointreau;



momento de aquecimento no meu colchão de solteiro; soa longe o sofrimento, como rinchar de pneus.

Wladimir Cazé
(conto publicado na edição de 28/10/2004 do caderno "dez!", do jornal A Tarde, de Salvador (BA)

20.10.04

I<><><>:::TEXTORAMA:::<><><>I



isso mesmo, mas pra quê tanta erudição? falsa modéstia e boas
intenções enchem o inferno. nossa, eu pensava
em arte mas descobri que o segredo é ganhar dinheiro.
ou então macerar seu inimigo com uma clava retórica.
penso nisso com a mente corrompida por cabelos escuros
e pele branca, penso nos movimentos literários das
ondas poluídas de grandes capitais
brasileiras, oi mãe, você poderia tirar
a roupa? nós temos tanto em comum. sua
buceta velha mal conservada. but she still
has the hots.

então temos mais um livro, cortado na
faca da paixão e evitando a disciplina. estilo
difuso e condensado nas páginas que fazem mal.
coisas curtas, 2000-2004. ilustras do sade.
beware: se eu gritar bem alto, poderei ser criticado
pela massa circundante. não podemos perder
a educação, não é?

negativas entusiasmadas!

essa geração desesperada está subjugando a outra
por puro apodrecimento. fernando sabino
respondeu à afirmação de que os novos
já vêm furiosos com um "que vengan os toros" batido
no peito, cheio de virilidade, mas tudo que nós
queremos é domar essa besta aos nossos
desígnios e viver disso, porque eles
já estão indo para a cova, assim como nós, e
não podemos perder mais tempo.

al Nite LanG




Textorama, de Patrick Brock, 4º livro de contos das Edições K

14.10.04

EDIÇÕES

Me atento ao escuro,
e as tarefas da solidão
são jogos diários:
um café, um vício, um quadro.

Caminho traços do meu bairro,
alamedas do meu livro.

Viver dá cãibra.
Ainda nasço.

André Setti

4.10.04

corte aberto por lasca na borda do copo ao pé do polegar direito;
perto de ser atropelado ao atravessar a rua olhando para o lado contrário ao trânsito, distraído por um rosto feminino; quase atingido por um facão de cozinha em uso na entrada de uma lanchonete;

(Cazé)