10.2.07

Profusion

Próximo caso

a) Ele: Você aí. Você não entende. Eu arranco meu coração toda a semana e despejo na sua frente. Mesmo assim a compreensão é nula. Mas eu parei de me preocupar há muito tempo. Agora vou servir suas vísceras num tijela prateada. E vai feder.

b) A mãe nunca entendeu realmente o que se passava na cabeça dele. Mas procurou ser compreensiva, até mesmo quando encontrou todas aquelas facas na cômoda. É uma fase, vai passar, ela se dizia enquanto temperava o feijão.

c) Damião: Não sei de nada não sinhô. Sim, eu trabalho aqui, mas é só limpar os jardins, cuidar da área. Toda quinta-feira. Não via nada. Só carros entrando e saindo. Esse povo não anda não. Não sinhô. O que? Sinhô tá no céu? Que é isso. É só respeito. Não sinhô, eu não conhecia o garoto bem. Só via ele assim, de longe.

d) Na redação: “Rapaz, se você não consegue fazer uma matéria simples assim, eu vou ter que mandar outro cara. E você fica fazendo o obituário!”
“Mas Roberto, é que ninguém quer falar. Sabe, a privacidade das pessoas...”
“Que privacidade moleque? Isso aqui é um jornal. Privacidade é no banheiro. O que é que eles andam ensinando na faculdade de jornalismo?”
“Ética, Roberto, ética...”
“Que ética o quê! Vai lá e traz uma matéria pra mim. Senão, vai pro obituário. Vai, vai.”

e) O legista: O corpo foi encontrado em decúbito dorsal, com lacerações no abdômen e nas costas. Boa quantidade de vísceras foi retirada. Faltam o coração, rins, fígado, estômago e intestino grosso. Provável hora da morte é meio dia. Causa mortis: esvisceração maciça.

f) Em algum lugar da nebulosa Órion: Como vocês podem ver, trata-se de um caso clássico de matricídio. Obviamente, o garoto é louco. A mãe, negligente. De acordo com os costumes terráqueos, o caso ganhará ampla divulgação e causará choque na sociedade, mas logo será suplantado por outra ainda mais horrendo. Ok? Próximo caso.

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Newsmaking

Mandaram o estagiário para um protesto matinal na Avenida Suburbana. Era o tipo de matéria que a TV não queria veicular, então não valia um repórter. Trêmulo, Maurinho empunhou o microfone em direção ao líder da horda, um senhor destentado, vestido apenas com um calção de banho. Ao redor, casas sem reboco, um rio de esgoto, lojinhas e bares de sinuca. Temperatura: 32 graus centígrados. Céu limpo.
- Quais são as reivindicações?
- Nós reinvindicamo passarela que tá muito atropelamento aqui. E iluminação que tá tendo muito estrupo.
- Quantos protestos vocês já fizeram nessa área?
- Todo mês a gente protesta mas não dá nada. Onti morreu mais um.
Enquanto isso, uns jovens mais exaltados incendeiam uns pneus velhos e jogam sobre a pista.
- Qual é a idade, nome e profissão do senhor?
- Otaviano dos Santos, 58 anos, biscateiro.
Maurinho vai entrevistar o líder da tropa de choque.
- Capitão Peçanha, qual atitude a polícia vai tomar?
- Vamos ter que agir dentro da lei para dissipar a manifestação. O fluxo do tráfego precisa continuar. Já tomamos todas as medidas operacionais para evitar mais distúrbios.
- A tropa de choque vai agir então?
- Positivo.
Os policiais formam fileiras e batem os cacetetes nos escudos, numa sinfonia brutal. Protegidos pelas fileiras, atiradores lançam bombas de efeito moral e de gás lacrimogêneo na multidão. Começa a correria. As crianças jogam pedras, mas são subnutridas demais para atingirem com força suficiente os policiais, protegidos pelas armaduras anti-distúrbios. Logo atrás da tropa e dos atiradores, uma brigada de incêndio apaga o fogo nos pneus e limpa a avenida. O trânsito recomeça a fluir. Maurinho volta para o carro da reportagem com o cinegrafista e o iluminador.
- Pra onde agora?, pergunta o iluminador, assumindo o volante.
O rádio começa a chiar: “Maurinho, atenção Maurinho, esqueça o protesto e vá para a 17 DP fazer uma sonora com o autor de seqüestro relâmpago, Q.A.P?”
- De novo? Todo dia prendem um cara desses, diz o cinegrafista.
- É pras madames reconhecer quem roubou elas, retruca o iluminador.
O carro aproveita a reabertura do fluxo do trânsito e segue veloz de volta para o centro da cidade, enquanto o mar reflete a luz solar com milhares de pérolas flutuantes.

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Três irmãs

As três meninas eram minhas vizinhas na rua e eu fiquei amigo da mais velha, Inês, uma morena de olhos tristes. Eu estava de olho mesmo na Sílvia, a caçula. Com uns 17 anos d tudo brotando, era uma coisa linda de ver. Fiquei amigo mesmo da família. Sempre levava alguma coisa, um bolo, uns ovos. A nossa rua era na parte boa da cidade mas sabe como é, a vida não tá fácil. Mas começou a dar muito trabalho preparar o bolo, quer dizer, convencer minha irmã a preparar o bolo. Ela queria casar e dizia que estava treinando pra ser a rainha do lar.

Com o tempo, passei a jantar lá todos os dias. Eu queria a Sílvia mas ela não me dava nenhuma atenção. Tinha aquele ar de adolescente rebelde e comia rápido, sem muito entusiasmo. O pai, um bigodudo respeitado que batia ponto na secretaria da Saúde, tomava uma garrafa de Sangue de Boi com o jantar todos os dias. E a Inês ficava me cutucando por baixo da mesa, alisando minha virilha com os pés. Acho que ninguém percebia. Exceto Adalgisa, a do meio. Ela via tudo, mas enfiava a cara de novo no prato e continuava comendo. Ela era a mais bonita mas eu nem gastava meu tempo porque ela tinha a maior pinta de freira, saia no joelho e um crucifixo gigante, de madrepérola, no pescoço.

Um dia de noite o pai não veio jantar. Comemos só eu, as meninas e a mãe delas. Quando eu estava ajudando a velha a limpar a mesa o pai chegou em casa bêbado e caiu no chão da sala, ofegando. Sílvia e a mãe correram pra lá. Resolvi que ia tentar minha chance. No meio de toda aquela comoção, eu cochichei no ouvido da Inês:
- Tou te esperando no quartinho dos fundos.
Acho que falei muito afobado porque ela parece que não ouviu, ou se ouviu, fingiu que não. Então eu repeti, um pouco mais alto, e encerrei com um “viu?” bem enfático. Dessa vez, acho que Adalgisa também ouviu.

Fui pro quartinho e abri a calça. Fiquei lá esperando. Tava tudo escuro. Na sala, a comoção diminuiu e ouvi barulho de gente sendo arrastada. Devem ter levado o velho pro quarto. Fiquei quietinho. Apagaram a luz da cozinha e a parte de trás da casa ficou no breu. Ouvi alguém chegando e fechando a porta do quartinho. Então uma boquinha muito esperta me pegou de jeito e foi subindo até o meu pescoço. Ela deu um chupão daqueles bizarros, de deixar marca roxa. Eu meti a mão pelo meio das roupas dela e fiquei alisando a calcinha. E ela abriu o vestido e deixou os seios escaparem, enquanto falava pra mim baixinho:
- Quem sempre te quis mesmo fui eu.
Era a Adalgisa.

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Vinte e quatro horas

(Os eventos narrados a seguir se passam entre as 22h01 e 23h01)

Jack Bauer pilota um helicóptero sobre o deserto da Califórnia
- Jack, você precisa parar Al-Masri. Ela tem os códigos de detonação da ogiva!
Silêncio. O helicóptero chega aos subúrbios de Los Angeles.
- Jack! É urgente! Câmbio!
- Manda o presidente parar de encher o saco. Hoje eu vou tirar o resto do dia de folga.
- Mas Jack, a ameaça terrorista!
- Que ameaça o quê. Manda aumentar o alerta de atentados pra laranja que fica tudo beleza. – Jack Bauer desliga o comunicador. Corta para Al-Masri e seus asseclas num depósito no centro de Los Angeles. Al-Masri acena positivamente com a cabeça para seu assistente, O Jordaniano.
- Alá é grande!, gritam os dois.
Volta para Jack e o helicóptero, que aproxima-se de Santa Bárbara e da residência de Janet Marauder, apresentadora da Fox News. É uma mansão deslumbrante em estilo colonial espanhol com uma piscina de quinze metros quadrados. Com perícia, Jack Bauer pousa o helicóptero no campo de golfe particular da mansão, assustando o viveiro de flamingos selvages de Sumatra. Usando um chapéu no estilo sombreiro para se proteger do Sol e com um vestido branco esvoaçante, mas de corte justo nos lugares certos, Janet vai recebê-lo.
- Oh Jack...Que bom que você veio.
Os dois trocam um beijo ardente. Inês, a empregada mexicana e imigrante ilegal, serve cerveja geladinha para os dois.
- Jack, trouxe seus óculos e o protetor solar. É melhor você se apressar. Vamos perder o show!
- Calma baby. Tudo vai dar certo. Um brinde! Acho melhor assistir à explosão daqui. Vai ser um show e tanto. Meu emprego vai ficar garantido pelo menos até 2010!
- Fala daquele jeito, fala...
Janet adota um tom lânguido e acaricia os ombros de Jack Bauer, que muda a feição para uma expressão de ira. Ele toma fôlego antes de gritar agressivamente:
- Temos que encontrar a célula antes que eles contaminem Washington com o vírus! Se eu não torturar ele, milhões vão morrer! A vida de quem vale mais? A dele ou a do presidente?
- Ohhhh....
Inês se retira, constrangida, enquanto Jack Bauer e Janet Marauder se enroscam num beijo longo e úmido. No centro de Los Angeles, eleva-se ao céu um cogumelo brilhante de fusão nuclear.

Um comentário:

Anônimo disse...

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