27.7.07

Quinta-feira

a) A bolsa caiu, o índice Dow Jones caiu, a semana acabou. O primeiro trem, por baixo do Rio Hudson. O segundo e o terceiro, nas entranhas desta cidade suja. Estações em fila, 50a. avenida, 7a. avenida, Queens Plaza, Steinway Street e saio do trem. A caminhada rápida pela rua em burburinho de fim de dia, o restaurante Basurero bombando com suas bandeiras latino-americanas e salsa duvidosa explodindo de alto-falantes ocultos. Taxistas ouvindo pop árabe passam velozmente pela rua e furam o sinal enquanto um motorista da MTA fuma um cigarro diante da loja de conveniências do indiano que bufa de calor. Chego em casa, moído, subindo pelos degraus de carpete sujo e com baratas mortas espalhadas. Deve estar uns trinta graus. O prédio de madeira absorve o calor como uma estufa. Na TV, um game show idiota: Você é mais esperto que um estudante do primário? Americanos burros respondem a perguntas do curso primário. Meu cérebro derrete.

b) Meia hora depois ela chega com uma sacola da Levi`s. Veste a calça e me mostra vitoriosa: 19,90 dólares. A cintura é alta. Essa calça te deixa gorda, digo, sem pensar muito. Ela faz muxoxo. Fiz bobagem. Me ofereço para preparar o jantar. Faço um macarrão gostoso, com vinho, azeitonas cortadinhas e manjericão. Depois da refeição ela parece mais satisfeita. Conversamos sobre trabalhos. Cacete armado, diz ela, sobre o tal emprego em que lhe pagarão 900 dólares por quinze dias suando num apertado macacão da Petrobras. As coisas estão indo bem. Ela ainda não jogou o cinzeiro na minha cabeça. Acho que posso sobreviver a esta noite.

c) Depois ela vai para a internet e fica um tempão vendo fotos. Desmancho no sofá com o ventilador virado para a minha cara. Tenho que escrever algo, lembro-me vagamente, mas não consigo pensar em nada. Meu cigarro acabou. Quer tomar uma?, pergunta. A essa altura ela está vestindo roupas sucessivamente, passando na minha frente de calcinha a caminho do quarto e de volta para a cozinha. Fico duro. Saio pra comprar a cerveja.

d) Já passou da uma da manhã. A rua está tranquila exceto por um caminhão do departamento de saneamento que passa fazendo zoada, uns poucos carros com música mexicana alta ressoando nas vitrines das lojas. Essa é a área dos mexicanos. Mas não há nenhum na rua agora, só os ratos da Starbucks e a pintura ominosa de um homem moreno na loja que aluga ternos, e que sempre me assusta. Viro a esquina com a Broadway; o pub está aberto, emanando um murmúrio de música ou canal de esportes. O vietnamita fuma um cigarro preguiçoso em meio às verduras da lojinha da próxima esquina, trocando umas palavras com um velho da cara marcada. Quando me vê me cumprimenta com um olhar cínico e entediado. Vou direto no freezer pegar duas garrafas de Corona e uma de Heineken. Um maço de cigarros. Quinze dólares. Malditos impostos.

e) Fazemos amor tirando fotos das preliminares, não como se fosse uma obrigação de casados mas como ato suave e tudo parece que vai dar certo no final pois a folga se inicia plácida, numa monotonia agradável de cerveja caseira e abafamento nova-iorquino interferindo no perfeito fluxo das coisas. Ela diz que eu virei um marido.

12 comentários:

Anônimo disse...

esse é o caminho, luke.

Anônimo disse...

caminhamos para isso, mr. EMECE.
ontem sonhei que você virava pai.

ass,
ANL

Anônimo disse...

não me diga...
de minha parte, posso afirmar que estou treinando.

Anônimo disse...

amigo ANL,
r.murdoch botou a dinherama na mesa e fechou o negócio.
E aí? Chupa toda??

Anônimo disse...

Toda! Ai! Toda!

Convenhamos, esse papo de independência editorial é um monte de bullshit. Acho que a compra vai ser boa para nós. Empresa maior, mais grana e tal. Acho que Murdoch pode surpreender com o Journal, mantendo-o como é e aumentando ainda mais o seu prestígio. Não subestime o velho australiano, mate...

abs,
ANL

Anônimo disse...

Concordo com você, r.murdoch tem muito mais a ganhar mantendo o WSJ do jeito que funciona.

PS: único australiano sério é o crocodile dundee, dude.

Solange Ayres disse...

Faca uma síntese deste texto que vira musica, musica do Caetano veloso.

Belinha Fernandes disse...

Olá!Bom relato!Sou de Portugal e meu blog também se chama Palavras Cruzadas!:-)

Anônimo disse...

Grato pelos comentários!
Putz, coincidência belinha. Mas não deixa de ser um bom nome!

abraço a todos
Patrick

Anônimo disse...

Mr ANL
seu sonho estava correto.
Pode preparar os charutos.

Anônimo disse...

uhu!

parabéns!

anjobaldio disse...

Caro Patrick, há pouco comprei Velhas Fezes e Textorama. Também acompanho tuas ficções do Dez! Parabéns por teu blog e um grande abraço.