9.3.10

Caipirinha azeda



Escrevi um ano atrás que os EUA e o Brasil estavam em lua-de-mel, mas sem álcool. Agora parece que as núpcias enverederam para o divórcio. Lula serviu uma caipirinha azeda para os EUA: a posição brasileira sobre as sanções contra o Irã e as tarifas de importação impostas em retaliação a subsídios americanos ao algodão se juntam à lista de pequenos incêndios do governo de Barack Obama. E a própria Hillary é um deles. Seu desempenho como secretária de Estado, o cargo mais importante da política exterior de seu país, tem sido pífio. Fica no jogo de cena, emitindo declarações de “decepção” que já não carregam o mesmo peso atualmente.

Lula ignorar Hillary e abraçar Ahmadinejad talvez seja a maior prova de que o Brasil optou por seguir uma política exterior independente, ligeiramente alinhada aos desígnios do eixo de Hugo Chávez – embora venda caças com tecnologia americana para a Colômbia matar esquerdistas da Farc no Equador. E Lula, que foi preso pela ditadura brasileira, abraça um Ahmadinejad que preside um regime homicida e torturador que passou de teocracia islâmica para ditadura militar. São paradoxos demais.

O presidente Lula, sempre cândido, deu duas declarações importantes na terça-feira. Chamou a imprensa de subserviente por perguntar se iria tratar de determinados assuntos com Hillary. Da matéria do Estadão: “Vou recebê-la numa deferência ao Celso Amorim, que me pediu para recebê-la. A conversa é de ministro a ministro. Quando for o Obama eu converso com ele.' Deixa bem claro que o tempo fechou com os americanos, que não cedem na principal questão comercial entre os dois países: o subsídio americano ao álcool de milho e as tarifas de importação do álcool brasileiro. Só o milho já é subsidiado pelo governo americano, como é possível ver no documentário recente “Food, Inc.”.

Na mesma entrevista, durante a terceira visita ao canteiro de obras do caro complexo petroquímico que a Petrobras quer construir para produzir plásticos com o petróleo Marlim, Lula revela também que o interesse do seu projeto político é investir cada vez mais em rodovias. "Aqueles que acham que o pobre vai deixar de usar carro são os que usam carro", disse Lula para os aplausos da plateia. E tome ponte para Itaparica, ponte sobre o Parque de Pituaçu e mais carros, engarrafamentos e poluição. Enquanto isso a China interliga o país com trens de alta velocidade e até nos EUA renasce o interesse no transporte ferroviário. Impossível ignorar que a cadeia de produção dos automóveis gera milhares de empregos. Mas carro é um negócio que soa meio atrasado diante dos desafios futuros da escassez de recursos naturais e do aquecimento global. Sempre astuto, talvez Lula esteja mesmo de olho é na energia do átomo, como seu colega iraniano. Só que a Constituição do Brasil proíbe seu uso para fins bélicos. Será que Lula acredita mesmo que Ahmadinejad não quer a bomba? Essa é uma pergunta que os moradores de Caetité saberão muito bem responder.

Um comentário:

joao p. guedes disse...

Pode soar como exagero, mas, toda essa mentalidade do capitalismo JK-fordista ainda remanescente nos leva a concluir que, a cada dia que passa, o carro perde a função de veículo. Afinal, a moda agora é comprar carro para ficar cronicamente preso no trânsito!