21.2.06

direto de 1998

Na flor da juventude e pregando a desconstrução da gramática. Al nite Lang.

Os novos totens de elétrons

A cada instante que passava, eu ficava cansado. Era como se nos obrigassem
a ver tanto quanto nossas mentes absorvessem. Naturalmente isso até levava
alguns indivíduos a loucura.

Felizmente, tudo isso era moldado de forma a ser aceitável ao ponto de um
conformismo incondicional. Eu caminho apático, e recebo toda essa carga
avassaladora. É o preço de se morar em um aglomerado onde milhões de outros
humanos se espremem, também. E enquanto caminhava, procurava discernir a
beleza borrada de um entre quinze edifícios. Os rios brilhantes de gás, aço
e plástico são infinitamente mais claros do que qualquer coisa que eu possa
ver, e isso me entristece. Por quê ninguém reclama desses rios, só eu?

Todas as centenas escondidas dentro dos prédios borrados seguem tranqüilas,
por que sempre haverá emprego e estabilidade, e mais ilusões, piores.
Gostaria de assistir a um rio brilhante morrer, apagar-se e não mais ofuscar
o ambiente. Mas ao mesmo tempo eu aprecio e até glorifico aos rios, mesmo
estando ciente da solidão habitando os pequenos receptáculos. Glorifico a
velocidade, a força poderosa das correntes que navegam nesses rios
ofuscantes. A força do dinheiro, da indústria, e da vida doentia de tantos,
assim como a minha.

É tudo assim, igual e veloz. Não existe mais um bucolismo padrão. O
bucolismo se encontra onde ele atacar. Velocidade, os rios, os totens,
todos eles assumem seus papéis na imagem que arde e cola nas minhas retinas,
ficando ali impressa, forjada. Ouço os gritos alegres e infelizes dos
outros caminhando, mas fui ensinado a ignora-los até onde for possível, em
favor de um outdoor brilhante, ou de um anúncio de biquíni. Mas estou tão
acostumado que isso já não faz parte do universo que é só meu, e é tão
único, mesmo quando tentam padroniza-lo, afoga-lo em um mar de bens de
consumismo. Outro dia alguém me disse que partiria em uma busca espiritual.
Dei-lhe minha benção e sacrifiquei uma formiga em sua homenagem. De quê
adianta?

Gostaria de que as pessoas percebessem o quanto estão submersas em uma
galáxia feita de cores, pessoas, dinheiro, produtos e linguagens de
elétrons. Mas se elas descobrissem tal coisa, não seriam elas apenas mais
infelizes?

Os rios brilhantes conduzem muita coisa de um lugar ao outro, especialmente
pessoas. É toda uma gigantesca massa biológica se movimentando ao mesmo
tempo. Todo dia é assim. Mesmo quando as biomassas morrem e tem de ser
descartadas. Mas sempre existirão mais rios e mais pessoas, até o dia em
que só existirão rios, e cartazes publicitários, e pessoas. E as idéias do
homem estarão a tal ponto domesticadas que servirão apenas para concretizar
a servidão de comprar, e comprar mais.

Se uma dessas biomassas sobreviver ao dia, ela chegará ao seu domicílio e
desfrutará de todos os produtos adquiridos com o dinheiro que tanto
esmerou-se para conseguir. Enquanto se alimenta, receberá em sua poltrona
todo o treinamento necessário para seguir rumo a mais um dia, através de um
monitor de elétrons. Tudo acompanhado de imagens belas e narcotizantes,
assim como mensagens tão inocentes quanto subliminares. Chega o fim da
linha: escolher paixão conformista, celas minúsculas de dois quartos
reversíveis para três, quatro paredes brancas e no teto uma lâmpada de 220
watts.

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