por LORDE BYRON
Há uma energia ancestral nas pedras do calçamento no Pelourinho, e para renová-la, centenas de pés infantis correm pelas vielas, como Erês, apagando o sofrimento dos escravos. Achamos a vaga no vasto estacionamento e logo estamos cercados por famílias inteiras; há sangue e sonho; cabeleireiros preparam penteados afro e turistas caminham assustados no início da noite de marchinhas hipnóticas, de sopro e tambor. Sinto um gosto de cravinho. Tiro os sapatos e piso no chão, com os olhos voltados para o céu e a iluminação fraca das lâmpadas de tungstênio.
A jovem família está fantasiada de Os Incríveis e reclama com o filho inquieto. Tomam cerveja. Comem amendoim. Assistem às bandas de marchinhas. A banda 171 logo se aproxima, com camisa de presidiário listrada. Mais à frente, uma mulher solitária assiste ao show do marido - sax e um teclado com programação de bateria, em meio ao restaurante de luxo onde turistas engolem vorazmente frutos do mar e carne do sol. O mesmo show, há 12 anos, “Yesterday”.
Numa esquina, surge um bloco de orientais – tailandeses de pele morena; chineses de rosto achatado; japoneses muito brancos; coreanos de faces redondas. Eles tocam fora do compasso e arrastam uma multidão, como um pelotão de dançarinas exóticas e vendedores de tênis falsificados. Hippies de miçangas, encostados no muro da Faculdade de Medicina, vêm pedir cigarros, ávidos. Robson Andrade tem 31 anos e veio de Olinda. Despreza o carnaval do Pelourinho.
- Aqui não é carnaval. Acaba às 2 horas da manhã! – diz. Aí reclama da violência na Barra e pede mais um cigarro, puxando os “d” e os “t”.
Em outra esquina, Edna e Natan tentam vender uma fantasia do bloco Filhos de Gandhy, a R$ 220. Ela está grávida. Natan está entediado. Ao seu lado, pelo quarto ano seguido, Solange ajusta os turbantes dos Gandhys a R$ 5 ou 7. Depende do cliente, como tudo por aqui. As lojas de artesanato estão todas abertas. Com paciência bovina, a vendedora nem pisca os olhos enquanto assiste ao movimento noturno. É noite. Durante o dia, as ruas estavam mais sufocadas. Mostra-me as fotos da artesã com estrangeiros, que parecem admirados com seus tapetes de piaçava – troféus instantâneos para referenciar sua arte.
Na mesa de mogno, o capitão Edílson Santana assina o livro de ocorrências com calma, desenhando as letras, enquanto sorri e responde às minhas perguntas. Nada está acontecendo e tudo está tranqüilo. O tempo segue numa velocidade transitória de festejos carnavalescos - o movimento não parece que chegou ao auge e já vai diminuindo. São 10h30 da noite. Na entrada do estacionamento, um cortejo de baianas cibernéticas prepara-se para sair.
- É o bloco da Eterna Juventude - explica Edivete Góes Bonfim, 63 anos, bordadeira.
- Não, é o bloco do Lixo ao Luxo, de Joaquim Assis - corrige Joselita Patrocínio, que faz 70 anos no mês e usa um feito com embalagens de Nescau, bem colado no corpo. “Aqui somos todos iguais. Tem quem pega no lápis, tem quem pega na roupa para lavar. Profissão aqui não importa”. Depois dessa declaração, qualquer coisa parece mais humana do que registrar os fatos com precisão objetiva. Voltando pela Baixa dos Sapateiros, sinto o gosto do sangue.
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