28.6.06

Em Manaus

O evento oficial acabara cedo; insone, me vi especulando uma caminhada noturna solitária. O hotel, uma instituição oficial dos militares, não parecia muito convidativo. Em meu sangue, ainda circulava o álcool feliz do jantar oficial. Deixei o colega da grande mídia tentando dormir e ganhei a rua.

Assim que deixei o hotel, percebi que a base era uma coisa única, espalhando-se por uma área vasta de casas brancas e patrulhas militares. O ar pesava como seda úmida e grudava em meu rosto. Caminhei pela avenida dupla, vez ou outra abandonando a segurança relativa da iluminação pública para explorar transversais obscuras, mas sempre era repelido pelos cachorros ou pela mata. A cidade cravada na selva, como uma exibição triunfante da dominação humana sobre a natureza, ainda encontrava resistência; a selva fechava-se para mim assim que deixava o espaço urbano. Seus insetos deixam o ar impregnado com uma cantoria de exoesqueletos em êxtase. Suava muito, mas nunca temi por minha segurança. A cada cem metros, uma patrulha militar me cumprimentava respeitosamente. Nomes indígenas passavam rápido pela memória: Xambioá, Tefé, Kuarup.

De volta, a selva tornou-se mais densa com o acréscimo de uma fauna tipicamente urbana. Um psiu quebrou meus devaneios. Com a fronte sebosa com minha própria sudorese, percebi que uma indiazinha me convidada a um papo. O óbvio ululante não me comoveu. Aproximei-me.
- Você não quer um programa não?
Ela não parecia muito jovem, mas também não era velha. Senti seu nervosismo.
- Não tenho dinheiro. Desculpe – menti.
- Aí, quando vi você vindo na rua eu pensei, gosto de homem assim, alto – ainda tentou ela, apelando para suas táticas. Agradeci e neguei novamente. Ela resignou-se e a fronte acobreada, emoldurada no cabelo preto liso, enrugou-se num último pedido, quase doloroso, que apertou seus olhos oblíquos.
- Paga uma cerveja pra mim moço.
Fui até um posto de gasolina próximo e comprei duas latinhas de cerveja. Os frentistas e o segurança me olharam com um ar de reprovação e secreta compreensão, abafada pelos afazeres da vida. Entreguei a cerveja a ela, que logo sumiu numa rua lateral. Depois disso, algo quebrou-se e não consegui mais conversar com ela ou com suas colegas de olhar assustado. Puxei papo com um indivíduo que as acompanhava, mas ele não se mostrou amistoso. Sóbrio de realidade, voltei para o hotel. Deitei na cama estreita, flashes rápidos do dia movimentado passaram pela mente e percebi, finalmente, que eu tentara entrar numa selva nova, um tipo híbrido de pedra e verde, e apenas roçara a sua superfície viscosa, e viva.

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