9.6.04

AO VIVO - DIRETO DE UM CYBERCAFE CHINÊS

Falar em restaurar a democracia no Iraque é, óbvio, uma mentira tão grande quanto falar em restaurar a democracia na China. Nenhum dos dois países teve qualquer sistema político parecido com democracia durante sua história. Talvez, mesmo, a democracia que tanto apregoam os hipócritas de plantão nunca tenha realmente existido, eu acredito que nunca existiu mesmo. A palavra, ou o conceito utópico, democracia é estuprada todos os dias quando sai da boca de políticos, economistas, comentaristas, analistas, jornalistas e, mesmo, ou principalmente, cronistas. Querem ver?

Na China de hoje, aquela que vai aos poucos, desde a década de 1970 mais precisamente, com a eliminação da gangue dos quatro e outras revisões parecidas com as que a União Soviética fez na década de 1950, só que mais silenciosas pois os chineses são mais espertos, se transformando em uma ditadura capitalista e destruidora dos direitos individuais, coisa que duvido muitos os pobres chineses conhecerem, assim como os pobres de qualquer lugar do mundo, não existe oposição. Uma das última decisões do governo chinês foi a de fechar todos os cybercafés do país. A desculpa, esfarrapada, é que os jovens que ficam jogando pela Internet estão sofrendo sérios danos em suas saúdes mentais. A verdade é que os, poucos, movimentos oposicionistas, resumidos a manifestações individuais dos dissidentes sobreviventes, têm como uma das últimas alternativas divulgar a realidade chinesa para o estrangeiro através da Internet. Um desses métodos é se utilizar da Internet por meio de cybercafés onde o anonimato pode ser mais manipulável. A China, tem que ser dito com todas as letras, é uma ditadura suja. Imunda. Enorme. Quem enxerga só o desenvolvimento econômico, o crescimento acelerado do PIB chinês e outras numeramas econômicas participa da mentira que se estabeleceu no jornalismo econômico do mundo inteiro. No caso da soja gaúcha a China se utiliza daquilo que ela vai cada vez mais se utilizar nas próximas décadas. A imposição econômica pelo desejo de lucros do resto do mundo em um mercado crescente, controlado, de cerca de um sexto da população mundial. Quem manda no mundo é o dinheiro e a ganância. Todos nós sabemos, conscientes ou não, dessa verdade, mas sempre vale continuar repetindo. Permitam-me ser um Goebbels do bem.

A tão amada democracia da America que nunca existiu no Iraque, vai continuar não existindo na China. Mesmo que o senhor Michael Moore ganhe prêmios e prêmios com suas denúncias, muito mais turbinadas pelos desejos dos norte-americanos manterem suas liberdades políticas e econômicas internas do que de supostamente criar um caldo cultural contrário ao capitalismo, não se iludam, a China continuará impassível em seu crescente domínio sobre os assuntos de política internacional. Michael Moore acerta na polêmica de suas denúncias mas não deixa de carregar um certo ranço americanista subentendido. Quando entrevista e constrange o presidente da Nike ele deixa-se enganar. Pergunta ao mesmo porque em vez de explorar trabalhadores subnutridos no Oriente ele não instala a fábrica numa cidade norte-americana cheia de mão-de-obra ociosa. A pergunta certa, pensem bem, seria: Porque não dar aos trabalhadores orientais os mesmos direitos de um trabalhador médio norte-americano? Senhor presidente da Nike. Invista em suas fábricas em países subdesenvolvidos. Não! O polêmico diretor prefere reclamar dos direitos dos trabalhadores desempregados norte-americanos. É uma realidade e uma disputa interna dos EUA. Nós, subdesenvolvidos, emergentes, subemergentes, afogados, não estamos sendo defendidos em nada. Não! Podem dizer que aqui se prega a paranóia delirante. Mas não! O que se deve defender é o direito individual de cada trabalhador em qualquer lugar do mundo independente de religião, de ideologia, de cor da pele e, principalmente, de nacionalidade. Não me considero, e não sou, marxista, mas acabo parecendo um quando penso e escrevo, porque é impossível não enxergarmos que enquanto existir alguém sendo explorado em qualquer lugar do mundo, não existe liberdade. Não existe justiça. Logo, o senhor Michael "polêmico" Moore não passa de um empulhador. De um marqueteiro. Porque trata da superfície das crises. Não é o fim da venda de armas que vai diminuir a violência. Não é a arma que mata. Nem a mão que aperta o gatilho. É a mente individual de cada um de nós construída dentro de um pensamento coletivo inconsciente de exploração econômica, de injustiças políticas e de massacre social. Antes que me transforme em algo parecido com um comunista metafísico, que talvez seja algo parecido com o que já foi deturpado milhares de vezes, inclusive pelo senhor Mel "Mad Max" Gibson, um cristianismo primitivo, vou continuar pensando e escrevendo assim. Talvez não pratique ou viva assim, afinal, sou humano e limitado e tenho meus defeitos individuais operantes, mas que tenho o dever e o direito de me expressar contra essa enganação pública, isso eu tenho.

A censura e a ditadura econômicas são as piores injustiças do mundo contemporâneo. O político e o social vem de cabresto nessa história toda. Logo, o Iraque deve ser democratizado porque a ditadura de lá já não interessava mais aos interesses econômicos das grandes corporações mundiais. A ditadura do Paquistão, da Indonésia e da China devem ser respeitadas. Os votos achados nas lixeiras da Florida devem ser respeitados. As fotos sorridentes da soldado Sabrina ao lado dos cadáveres dos inimigos devem ser enaltecidas. A cerveja do churrasco do Lula e o uisquinho do fim de noite pra dar aquela aliviada na tensão do presidente são muito mais importantes. Não que considere o governo Lula um bom governo. Estão fazendo uma cagada atrás da outra. Mas só porque o Lula não flana por Paris com a mesma desenvoltura elegante do nosso ex-presidente galã não vamos sair berrando como o rico que enche o cu de uísque e cocaína e chama de corno bêbado o operário desgraçado que bebe umazinha depois de pegar duas conduções e chega em casa e encontra a mulher dando a Virgem Maria pro pastor evangélico em troca de uma cadeira no mundo dos ricos. Nunca se comprou tanta boleta antidepressiva no mundo e os falastrões de plantão vêm falar mal da cerveja que nos alimenta desde os tempos dos faraós! Claro que álcool em excesso faz mal. Tudo em excesso faz mal, cara-pálida. Até mentir em excesso deve fazer mal. Mas é muito mais politicamente correto comer verduras e pregar o fim da carne quando até minha vó mortinha da silva sabe que carne é produto econômico do terceiro mundo. País rico faz carne em laboratório. Mas daí vem alguém me falar no sofrimento do boi na hora da morte. Não! Venha me falar no sofrimento da criança subnutrida que toma caldo de isopor com papelão! Mas é óbvio que é melhor alimentar a indústria idiota de Freud e encher o rabo de Inibex, Lexotan e Valium. Tudo é válido desde que venha em boletas. Quem sabe, Lula, você comece a tomar cerveja em pílulas. Talvez o Michael Moore te defenda em mais um polêmico documentário filmado nas muralhas da China ao lado dos corpos perfurados de balas dos disidentes políticos. Convide a soldado Sabrina, Mick. Ganharás o bi em Cannes ano que vem. Eu, na minha humilde individualidade, vou dar uma de presidente no bar mais próximo. Até mais!

Marcelo Benvenutti

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