17.1.06

ô, Senador, essa é pra você:

Amigos,

Gostaria de me apresentar. Sou Antônio José da Silva, brasileiro, corinthiano e CAMPEÃO MUNDIAL. Estou dizendo essas palavras para um amigo, o Zé Caninha, do barzinho em frente à padaria. Ele escreve nesse tal de computador. Já estou velho para aprender a mexer com isso. Melhor deixar para meu neto, que tem a vida pela frente. Quem sabe ele não arruma um bom emprego de office-boy nessa empresa famosa, a Internet?

O Zé, dessa vez, me procurou para falar sobre a final do Mundial. Como é bom ser corinthiano. A alegria da torcida contagia qualquer um! Como promessa de aniversário, levei meu guri, o Paulinho, até o Maracanã. Com onze anos, o moleque já assistiu o Paulista de 97, o Brasileiro de 98 e os campeonatos de 99. Fora, é claro, o Mundial. Ô neto pé-quente!

A peregrinação começou nos Gaviões. Pegamos o ônibus sete, para dar sorte. Eu não agüentaria esperar o 77. Sentei na cadeira 10 e o Paulinho na 13, trazendo toda a proteção daquele santo dia 13 de outubro de 77... Bem, mas isso é conversa para outra hora. Na estrada, uma vaga lembrança da invasão de 76. O único problema é que quando comecei a lembrar, dormi. O Paulinho, na cadeira de trás, tirou a blusa e me cobriu. Menino de ouro...

Acordei na entrada do Maracanã. A Fiel cantava e fazia o Rio parecer pequeno. Fui subindo, vagarosamente, a rampa de acesso às arquibancadas. Ficamos atrás do gol contrário à cobrança de pênaltis, lá na marquise. Local privilegiado. Assistimos, além do jogo, ao show da torcida do Timão. Faltando alguns minutos para o início do jogo, três rapazes pararam ao nosso lado. Já chegaram agitando e brincando com o Paulinho, que também é doido por um bate-papo. Fiquei só de olho.

Percebi, pela conversa, que se tratava de gente boa. Vieram de avião fretado, pois não conseguiram ponte aérea. Aliás, cantavam uma musiquinha bem engraçada...

"Sexta, eu vou no Maracanã (eu vou, eu vou)
A Fiel vai invadir...
Vou levando faixas e bandeiras,
Não vai ser de brincadeira, ele vai ser campeão...
Não quero Ponte Aérea numerada,
Eu vou de Teco-Teco prá sentir mais emoção (ôôôô)
Porque meu time... bota prá f.... !
E o nome dele é vocês (sic) quem vão dizer (ôôôô)

Ôô.. ôôôôô... ôôôôô... ôôô ! CORINTHIANS
Ôô.. ôôôôô... ôôôôô... ôôô ! CORINTHIANS"

Os meninos eram divertidos. Tinha um de óculos que cantou o nome de todos os jogadores do Timão, mas quase entrou em êxtase quando gritaram o nome do Oswaldo. Os outros dois riram, mas essa eu e o Paulinho não entendemos. O que ficou do outro lado da mureta trazia uma máquina fotográfica no pescoço. Quietinho, quase não falou nada. Sábio... Guardou voz para comemorar! O que estava em pé, quase ao meu lado, parecia um guarda-roupa ambulante. Foi com duas camisetas, levou mais uma (que ficou com o Salim, aquele de óculos) e tinha no bolso uma regata. E ainda me disse que era superstição. Engraçado... Ele me pareceu familiar... Bem amigos da rede Blobo, começam as emoções do jogo. A tensão toma conta dos nossos sistemas nervosos.

As cenas que os rapazes descreveram momentos antes do jogo faziam recordar minha juventude, época em que eu corria atrás de qualquer coisa relativa ao Timão. Os malucos se hospedaram (com mais quatro amigos que assistiram ao jogo no setor branco do Maracanã) no hotel onde ficou a delegação do Corinthians. Tiraram fotos e pegaram autógrafos de alguns jogadores. Estavam tristes, pois não puderam chegar mais cedo, a tempo de bater papo com todos assim como fizeram com o Gilmar “Fubá”. Tiveram que sair rumo ao estádio, que fica bem longe do hotel. Com a chuva repentina, do fim da tarde, acabaram demorando 2 horas e 20 minutos para chegar, com direito a sair do carro no meio do trânsito para comprar cerveja no boteco da esquina. Haja pique!

O jogo poderia estar mais interessante. E meu neto arranjou três colegas de grito... Como xingam esses rapazes! Mas também não posso falar nada, pois já fiz muito disso... hehehe... Bem, como ia dizendo, o jogo podia estar mais interessante se a Josefa, minha companheira, tivesse colocado os meus óculos na mochila. Não consigo ver nada daqui. Só os ataques do lado de cá e a festa da Fiel, que não para de cantar um novo grito de guerra, o "Todo Poderoso Timão".

O jogo é emocionante. Poucas chances para ambos os lados, porém com muito perigo aos gols. É fim de tempo normal. Meu velho coração já não agüenta mais. Chega de futebol por hoje! Meus novos amigos abrem espaço, juntamente com meu neto, para minha passagem. Emoções de prorrogação só para eles.

Meu destino é um só: o espírito de cada jogador corinthiano. Com a atenção dos rapazes voltada ao jogo, fico livre para ir até o campo e tocar a alma de cada um dos atletas do Timão. A prorrogação é difícil, e percebo que os meninos, assim como toda a Fiel, estão desesperados na arquibancada. O destino reserva uma grata surpresa a eles, mas vamos deixar acontecer. Para que estragar, não é?

Termina a prorrogação e vêm os pênaltis. No fundo, cada um dos torcedores do Corinthians sabe que o Mundial é nosso. Mas como o sofrimento é a causa maior do corinthiano, teremos que buscar forças no além (teremos não, vocês terão...) para superar essa 'Bataglia'. Minha mão está sobre a cabeça do Príncipe Negro do gol do Timão. Dida fará a diferença, eu garanto.

A seqüência das cobranças é ininterrupta, até a cobrança de Gilberto, defenDida. Olho para a arquibancada. O rapaz das camisetas está em prantos. Acho que o seu sistema nervoso não agüentou. Edu converte. Viola faz. A decisão está nos pés de Marcelinho. Decido não ajudar dessa vez. Tenho minhas razões: o tal do Edmundo não honrou a camisa do meu Timão, e ainda por cima ousou dizer que Dida não seria goleiro para ele. Sopro o canto no ouvido de Hélton. Ele defende. Desculpem-me, fiéis amigos. A surpresa será boa, não falhará.

Silêncio no Maraca. A torcida do Vasco espera o batedor. É ele mesmo: Edmundo. Alívio para os vascaínos, emoção redobrada para os corinthianos. Agora é para valer. Edmundo versus Dida. O pênalti que pode decidir o campeonato. Deixo nas mãos de Dida, confio nele. Afasto-me. Prefiro ver de longe. Edmundo corre para a bola, o Maracanã inteiro vive a angústia dos lentos passos do atacante até a bola. Milhares de pessoas assistem, em casa, ao duelo descrito durante a semana: Edmundo afirmou que não existiria goleiro para defender pênalti dele. Pé na bola, goleiro para um lado, bola para o outro. Edmundo cumpriu a promessa: descobriu a forma de fazer com que Dida não pegasse seu pênalti. Chutou a bola mais de um metro para fora do gol.

Explosão na arquibancada, a Fiel chora a alegria de conquistar o título Mundial, o tão sonhado Mundial de Clubes, carimbado e homologado pela FIFA. Volto literalmente “voando” para a arquibancada, a tempo de tornar a ser o pacato 'seo' Antônio. Deparo com a cena que jamais esquecerei: Fábio, o da máquina fotográfica, corre e pula para qualquer lado. Nalin, o fã do Oswaldinho, comemora feito um moleque. Gabriel, o das camisetas, chora como uma criança, desabado no chão da arquibancada pela estafa emocional da partida.

O mais forte de todos? Com certeza o Paulinho. O garoto parecia guardar no bolso apenas mais um da coleção de seus títulos, já esperando o próximo. 'Seo' Antônio... Bem, esse tem uma missão especial. Devolvi-me ao seu corpo ainda a tempo de não perceberem sua ausência. Nesse exato momento, correu até nós um dos rapazes, o Gabriel. Chorando, abriu os braços para um abraço de Campeão Mundial. Não agüentei. Não agüentamos. 'Seo' Antônio se desfez em lágrimas, também como uma criança. E descobri que alma também chora. Principalmente a minh'alma, preta e branca para sempre, que descobriu, enfim, que nem sempre quem sai na chuva tem que se queimar...

texto por Gabriel Sousa Elias
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