12.8.05

O desta semana

11/08/2005

Jornal A Tarde / Caderno Dez!
(confessional demais, não é um dos favoritos)

Ficcões

Prosdócimo elegia

Um refrigerador que não funciona. Um dia ele foi construído numa fábrica onde pessoas trabalharam e foram para casa no final do dia, todos os dias. Então alguém o abandonou num ferro-velho até comprarem motor novo, aproveitarem o termostato velho e hoje ele não funciona. Os operários que o fizeram não têm culpa, exceto talvez a Previdência Social, ao reunir suas contribuições na forma de matrículas, peixes dourados, marlins ao sol da Espanha, touradas e numa grande polêmica quando governo/empresários brigam pra saber quem vai pagar a conta, até ser decidido que os proletários sofrerão os tributos. Aí a coisa fica feia porque os trabalhadores já pagam demais e sofrem e afinal de contas você acha que as coisas mudaram tanto assim desde a Idade Média? A História conseguiu gerar apenas a Previdência Social e geladeiras que não funcionam. Tudo é simbólico como a música dos Mutantes, mas a vida não é um show de rock e o presunto que está lá vai apodrecer, o mesmo que você comprou e profetizou na hora “este presunto feio será jogado fora”, e nem é a coisa de verdade, é apresuntado, que porcaria é apresuntado? Deve ser como os eufemismos que usam tanto no mundo comercial, tipo carne reconstituída, mas estamos esquecendo o verdadeiro significado das coisas, igual aos matemáticos que calculam a superfície de Plutão usando equações muito doidas. Li que as pessoas viajam o mundo mas não conhecem nem o vizinho, ria se puder, eu não vou parar de escrever pois isto é uma série de signos dispostos de maneira linear mas soltos do tempo original. Enquanto eles flutuam eu posso tentar uma existência feliz, sem geladeira, comendo sopão com cream cracker, lendo Hemingway e depois sentando à máquina para ouvir o som cadenciado das teclas, o pensamento nas mulheres que nunca me darão intimidade e não querem contar as moedas. Dizem que o brasileiro ignora as moedas, mentira, eu me importo com cada uma delas. E Amém. Vou ler o Hem.

Patrick Brock, 26, publicou Velhas Fezes [Edições K, 2004] e Textorama [2005]. Email: brock@atarde.com.br

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