Açougue 2
Os imbecis que vêm aqui todo dia não sabem a origem do que compram. Me lembro o conselho de meu pai: “Quem não caça, caça é.” Velho esperto. Morreu sem nunca me explicar o que queria dizer, mas o tempo me fez entender. Fiz faculdade, estudei filosofia. Muitas noites andei pelas ruas imundas deste bairro de imigrantes, sem dinheiro, tentando sobreviver à triste herança que paralisava as horas. Os livros só me deram pistas falsas, faziam as coisas girar em círculos. Fui arrastado por uma teia de erros durante anos, acreditando que pertencia a uma elite. Minha mãe, absorta, vendo tv. Morta e não sabia. Fui ligando os fios aos poucos; no raio-x da mente enxergando vísceras, ossos. Minhas mãos serviam para quê? Diplomado e sem emprego, procurei resposta. O país desnorteado, exaurido. No parque, conheci a balzaca. Me arranjei com ela; sexo, comida e bebida de graça. Foi bom por uns meses; sentia o corpo ganhar peso, endurecer, funcionar como uma máquina. Mas máquina bruta, trabalhando sem vida própria. Isso foi me dando idéias. Idéias mesmo, não besteiras de aula. Dopei a balzaca com tarja preta e serrei-lhe a carne madura na altura do quadril; cortei umas pelancas e fiz dois pacotes massudos. Precisava grana. Meu roteiro agora é do esgoto onde durmo pro açougue; do açougue pro parque, à noite, catando presa.
Wladimir Cazé
Um comentário:
olá!
que bom encontrar seus trabalhos aqui! gostei muito da sua capacidade de sintese neste texto!
Roberta
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