14.3.04

A vida nos trilhos

1
Um teto de zinco. Oito plataformas gigantescas. Trilhos entre elas. É fundo.

2
Hoje eu acordei de ressaca, e os engenheiros continuam em greve. Na parede de meu quarto, uma fenda se alarga, sem tinta, e o concreto se esfarela. O ritual de locomoção até o trabalho é doloroso, principalmente na hora de entrar no trem: devido à erosão provocada pelo vento gerado pelos trens em movimento, a distância entre a plataforma e o veículo aumenta a cada dia, dificultando o embarque. Um conhecido meu, certa vez, caiu na distância e até hoje está por lá, com os ratos; sempre que um trem passa, o cara se estira, tenso, baixando a cabeça, a fim de evitar ser triturado pela engrenagem enferrujada da maquinaria. A vida nos trilhos não deve ser fácil. E os engenheiros não se decidem.

3
Quando caí aqui, entrei logo em desespero. Ver as pessoas em cima andando, pegando trem. A solidão. Não conseguir subir. E os ratos. Horas, dias, meses. Estou aqui há tempo demais, isso é certo. É escuro. Os passageiros esperam fumando, e jogam as bitucas por aqui. Às vezes, consigo pegar uma ainda acesa. Ontem, vi uma menina deitada ao longe. Toda ralada, tinha caído. Seus olhos eram grandes. Estava morta.


Bullar

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